Você já ouviu falar da Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 640 que neste momento (2020) está
em curso no Supremo Tribunal Federal? Se não, já adianto que o assunto é sério.
Vou começar fazendo resumos de alguns
conceitos básicos da área jurídica que têm a ver com o tema:
Supremo Tribunal Federal (STF) é o órgão
máximo do poder judiciário do país e uma decisão tomada por seus ministros vale
para o Brasil inteiro, seja no poder judiciário, legislativo ou executivo. Já
Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é um processo que pede
para que uma decisão, um ato dos órgãos do executivo ou uma lei seja declarada
inconstitucional, ou seja, que determinada decisão, ato ou lei não possa mais
valer ou ser repetida.
Agora vamos falar efetivamente da ADPF
640 que se encontra em curso no STF: trata-se de um pedido, realizado por
determinado partido político (vou evitar citar nomes, mas você pode consultar
no site do STF), para que órgãos públicos de Estados e Municípios parem de
sacrificar animais apreendidos em situação de maus tratos.
Desde 2019 alguns juízes de vários
Estados do Brasil vêm dando sentença (a pedido de alguns órgãos públicos) no
sentindo de permitir o abate dos animais que são apreendidos em situação de
maus tratos. Isso quer dizer que um órgão público vai lá e descobre uma criação
de 90 galos de briga (galos que sofrem tortura e são treinados para se matarem)
eles entram na propriedade, apreendem o animal.
Exemplificando: Seu Joaquim das Couves
está criando animais para briga. Para isso, ele usa drogas nos animais, os
mutila e faz o que for preciso para ter o cobiçado galo campeão. Quando
descubro isso, eu, Poder Público, vou até a casa do Seu Joaquim das Couves e
tiro da mão dele os 90 galos para que não sejam mais submetidos à tortura.
Também aplico multas ao Seu Joaquim das Couves e, eventualmente, mando ele
passar um tempo numa gaiola (perdoem o trocadilho).
Ora, até aqui tudo bem, essa é a lógica
e o objetivo de uma apreensão animal: retirar ele das mãos das pessoas que vem
lhe fazendo mal. Acho que todos concordam que é assim que deve funcionar.
No entanto, o que vem acontecendo é que
os órgãos que estão realizando essas apreensões, em vez de reabilitarem o
animal na natureza ou entregar nas mãos de técnicos habilitados de jardins
zoológicos ou qualquer entidade que o valha, inclusive ONG’s e santuários,
estão indo ao poder judiciário pedir autorização para sacrificar estes animais
sob a absurda alegação de que não têm condições financeiras nem estruturais
para mantê-los.
E o pior é que tribunais de alguns
estados (Bahia e Minas Gerais, por exemplo) estão dando essas autorizações.
Lembra do Seu Joaquim das Couves?
Tiraram os animais das mãos dele para proteger os animais, porém, em vez de
proteger de fato, estão matando os bichos e isso vai contra o que é defendido
na nossa Constituição, como podemos ver no seguinte artigo:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Como vocês podem ver, eu deixei
destacado dois verbos muito importantes neste artigo DEFENDER E PRESERVAR.
Acredito que matar não se enquadra como sinônimo de nenhum desses dois verbos.
Este artigo também tem o seguinte
parágrafo para complementá-lo:
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Eu não sei vocês, mas, do meu ponto de
vista, matar os animais apreendidos de maus tratos se enquadra muito mais em
“submeter os animais à crueldade” (que é o que deve ser prevenido pelo poder
público) do que “proteger a fauna e a flora” (que é o dever do poder público).
Além do artigo 225 da Constituição, o
Congresso Nacional, lá nos idos anos de 98, elaborou (a duras penas, diga-se de
passagem) a Lei 9.605/98, mais conhecida como Lei de Crimes Ambientais, na qual
há o seguinte artigo:
Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos§1º Os animais serão prioritariamente libertados em seu habitat ou, sendo tal medida inviável ou não recomendável por questões sanitárias, entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de técnicos habilitados.§2º Até que os animais sejam entregues às instituições mencionadas no §1º deste artigo, o órgão autuante zelará para que eles sejam mantidos em condições adequadas de acondicionamento e transporte que garantam o seu bem-estar físico.
Do meu ponto de vista matar um animal não garante o seu bem-estar físico, mas sim o oposto disso.
Ou seja, não só a Constituição determina a proteção da vida animal como, também, existem leis federais que dão diretrizes ao poder público do que pode ou não ser feito nos casos de apreensão animal.
A ADPF 640, portanto, tem por base esses e outros artigos que tratam do assunto e, ainda, a inexistência de autorização legal (princípio da legalidade administrativa) que, em nenhum momento, preveem ao poder público a possibilidade de sacrifício dos animais.
Uma notícia boa que eu tenho para dar a vocês é que o Ministro Gilmar Mendes concedeu uma medida liminar (uma decisão urgente que é tomada antes da decisão final do processo) com efeito - agora vou falar bonito - erga omnes - , ou seja, que vale tanto para o executivo, quanto para o legislativo e principalmente, para o judiciário suspendendo essa prática de sacrificar os animais, simplesmente porque a administração pública diz não ter espaço.
Essa é a única medida efetiva que temos por enquanto, já que o processo ainda está em trâmite no STF. No entanto, quero acalmar vocês e dizer que além do partido político, a OAB, através das suas Comissões Nacionais e Regionais de Proteção e Defesa dos Animais, e algumas instituições de defesa da causa animal também estão no processo atuando para que a decisão final seja de coibir essa prática repulsiva de extermínio de vidas inocentes pelos órgãos públicos.
Você também pode ajudar com a causa animal como cidadão comum. Existem diversas frentes de batalha e até ações simples como andar com pequenas quantidades de ração na bolsa para alimentar aqueles animais que vivem em situação de rua e seguir e compartilhar páginas de ONG’s sérias que defendem a causa animal podem ajudar no combate aos maus tratos e exploração animal. Você também pode realizar ações mais participativas como fazer doações de dinheiro para causas e ONG’s sérias que atuam nesta área ou se tornar voluntário em uma delas assim como eu. Mesmo parecendo pouco, cada uma dessas ações ajuda muito a causa.
Se gostou do texto, compartilhe com os amigos. Sinta-se à vontade para deixar nos comentários suas críticas e opiniões para que possamos sempre melhorar. Também aceito sugestões de próximos temas sobre o mundo jurídico animal. Mês que vem eu volto com mais sobre o direito animal.
Daniel de Carvalho Leal
Contato: danieldcl.adv@gmail.com
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