O
ano de 2020 já está garantido em um capítulo especial nos livros de história. Um
vírus, que surgiu na China, e se espalhou pelo resto mundo, parou,
literalmente, as atividades econômicas e sociais de quase todos os países do
mundo. E isso porque, fez-se necessário frear os movimentos das pessoas para
que o vírus não se espalhasse tanto, e nem comprometesse as estruturas de saúde
dos países onde a COVID19 se faz presente. E o esporte foi uma das atividades
mais impactadas pela ação do coronavirus. As práticas desportivas representam
tudo aquilo que não podemos ter em meio a atual pandemia: aglomerações e muito
contato.
Pelo
mundo, tradicionais competições esportivas nem iniciaram a temporada de 2020. Foi
o caso do Campeonato Mundial de Surf, que teve a primeira etapa cancelada, e
outras adiadas. E, caso retorne esse ano, a competição terá novo formato. O
mesmo aconteceu com a Formula 1. A primeira corrida que seria em Melborne, na
Austrália, foi adiada. E, assim como o surf, caso a disputa volte a acontecer,
o formato será diferente.
Além do adiamento das competições realizadas
anualmente, e da interrupção de muitas que já estavam em andamento, como a NBA
e a Liga dos Campeões, os jogos olímpicos de Tóquio, que acontecem de quatro em
quatro anos, também foram adiados para 2021. Fato que só aconteceu duas vezes
na história da disputa em virtude da eclosão das duas guerras mundiais
ocorridas na Europa no século XX. A pandemia do COVID19 obrigou uma readequação
das competições esportivas no que se refere a forma como acontecem as disputas
e também na relação do esporte com seus diferentes agentes.
Não
resta dúvida quanto ao imenso impacto financeiro destas mudanças para o mundo
dos esportes. Quem vai arcar com elas? Como proceder diante dessa situação de
calamidade pública do ponto de vista jurídico?
E como fica a justiça desportiva neste cenário? Primeiro de tudo e
preciso bom senso. De todos os envolvidos. Cientistas do mundo inteiro, diante
das informações que dispõem sobre a pandemia, são uníssonos quanto a questão do
isolamento social e das paralisações das diferentes atividades em curso no
mundo consideradas não essências. Aqui, vou me restringir ao mundo do esporte
para falar das paralisações e seus desdobramentos para quem dele vive. E são
consequências para além do mundo financeiro.
Para
o atleta, por exemplo, que sonha em participar de uma competição olímpica, o
adiamento dos jogos implica rever o treinamento feito até aquele momento. E
mais, muitas competições classificatórias para os jogos olímpicos também
tiveram que ser adiadas. Algumas delas foram até canceladas. Assim, para aquele
atleta que ainda não tinha confirmada sua participação nos jogos, o efeito psicológico
do adiamento é bem elevado. Além do impacto financeiro para ele, que pode ter
seus rendimentos reduzidos por conta da pandemia e cortes de patrocínio. Sobre a redução salarial do atleta, caso seja
feita, e preciso observar as cláusulas do seu contrato, e o tempo da diminuição
de seus rendimentos, para que haja equilíbrio entre as partes envolvidas.
Quanto
a essas mudanças, bruscas e sem precedentes na história recente do esporte,
elas podem levar a uma serie de desdobramentos jurídicos, como a redução
salarial dos atletas, indenizações, além de ações na justiça desportiva. Porém,
é preciso ter cautela em situações jurídicas em decorrência das consequências
da pandemia no cenário esportivo. Isso porque, como afirma o professor Luiz
Marcondes, presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Desportivo /
IBDD, o direito precisa também ser ponderado, ainda que nós tenhamos as
questões esportivas como principais, a questão da saúde e da integridade são
maiores. Portanto, todos os casos devem ser ponderados e refletidos dessa forma.
(1)
Assim, é preciso analisar as interrupções das competições
esportivas, e suas consequências, com bastante cautela, partindo do pressuposto
da proteção da saúde dos envolvidos em um evento esportivo. Temos o exemplo da
decisão da UEFA em realizar a segunda partida das oitavas de final da Liga dos
Campões de portões fechados entre PSG e Borussia, e também outras equipes que
disputavam a competição. O primeiro jogo foi na Alemanha e contou com a
presença da torcida alemã. E no jogo da volta, em Paris, o time de Neymar e Mbappé
não contou com a torcida.
Todos
sabemos que o apoio dos torcedores em casa em uma partida decisiva é
fundamental. Nesse caso poderíamos falar que houve uma violação do chamado
princípio da paridade de armas? Antes de responder a essa pergunta, vamos
entender este princípio dentro do direito desportivo. A pratica do esporte,
quando extrapola o seu conceito lúdico e educativo, entra no campo da
competição, da disputa.
Neste
caso, nos referimos aos chamados esportes de alto rendimento, que envolvem uma
serie de atletas preparados especificamente para aquele desporto, além de
patrocínio, marketing, cota de televisão e agentes de diferentes setores econômicos,
que prescinde de regras objetivas que permitam que os esportistas envolvidos na
disputa estejam ali em pé de igualdade. Ou seja, tenham as mesmas condições,
possibilidades e oportunidades de realizarem uma competição cujo resultado seja
considerado justo.
Esclarecida
a importância no esporte do princípio da paridade de armas, não podemos deixar
de apontar que, de uma certa forma, ele foi afetado no jogo da volta pelas
oitavas de final da Liga dos Campeões entre PSG X Borussia. Mas, tal condição
ocorreu em virtude de um problema maior, uma questão sanitária, de saúde pública.
Claro que o PSG poderia questionar tal decisão. Se o fizesse, estava em seu
direito. A justiça está aí para isso. E, caso isso ocorresse, certamente, a
avaliação em torno desta questão teria que ser observada partir de uma situação
que se sobrepôs a questão esportiva, a da proteção da saúde dos envolvidos
naquela partida. O PSG venceu o confronto contra o time alemão e avançou na
competição.
Os
questionamentos já começaram a ocorrer por conta das decisões das entidades
desportivas em relação as competições em curso que foram encerradas por conta
da pandemia. Na Franca, no final de abril, o PSG foi declarado campeão da
temporada 2019/2020 do campeonato francês.
A equipe liderava a competição com 12 pontos a frente do segundo
colocado, faltando 10 partidas para a maioria dos clubes finalizarem a
participação na disputa. Duas equipes foram rebaixadas para a Ligue 2: Toulouse
e Amiens. E outras duas subiram para Ligue 1: Lorient Bretagne Sud e Racing
Club de Lens.
A
decisão não agradou ao Lyon, um dos principais clubes franceses na modalidade,
que ficou na sétima colocação geral da competição e, portanto, segundo as
regras do campeonato local, ficou de fora das principais competições europeias
de 2021. Diante da situação, a equipe entrou com dois recursos para impugnar a
decisão de forma administrativa: um contra a suspensão da competição, e a outro
referente a forma escolhida pela classificação dos clubes após 28 rodada. E o
clube francês obteve decisão favorável quanto ao pleito em decisão proferida no
último dia 9 de junho.
O
juiz do “Conseil d’État” francês, última instância de jurisdição administrativa
francesa, cancelou a decisão anterior da Liga Francesa de Futebol e estabeleceu
um campeonato de série A com 22 clubes. Ou seja, sem os rebaixamentos do Amiens
SC e do Toulouse e com os clubes de Lorient e de Lens subindo da série B. A
liga francesa tem agora até dia 30 de junho para apresentar um calendário com
42 rodadas, em vez de 38 até agora. O juiz considerou que a decisão da liga não
poderia ter como base o acordo entre a federação e a liga, o qual prevê uma
série A com 20 clubes, já que esse acordo só tem vigência até dia 30 de junho,
e não prevê as condições da próxima temporada. (2)
Aqui
no Brasil, algumas competições em curso foram encerradas, mas sem a declaração
de um campeão. Foi o caso da Superliga de Vôlei feminina e masculina da
temporada 2019/2020, e o Novo Basquete Brasil (NBB), também da temporada
2019/2020. No futebol, os campeonatos regionais foram interrompidos e o
movimento que existe por parte dos clubes e federações e de retomada das
competições
Dessa
maneira, respeita-se o princípio “pro
competitione” expresso no Código Brasileiro de Justiça Desportiva:
Art 2 - A
interpretação e aplicação deste Código observara os seguintes princípios, sem
prejuízo de outros:
...
XVII – prevalência, continuidade e estabilidade das
competições
Pela aplicação deste princípio, que é próprio do direito
desportivo, que preza de modo claro o respeito ao resultado obtido dentro de
campo, e por consequência pelo bom andamento da competição, ou seja, que as
decisões da Justiça Desportiva, ou administrativas, devem afetar o mínimo
possível, o ideal seria que em nada afetassem, as classificações das
competições. (3)
Alguns campeonatos de futebol já foram retomados em
alguns países, como a Bundesliga na Alemanha, por conta da região ter
conseguido achatar a curva de contaminação do COVID19 e reduzido o número de óbitos
local diário. Mas, as partidas acontecem com portões fechados e seguindo uma série
de recomendações das autoridades sanitárias locais, da Organização Mundial da
Saúde (OMS) e da FIFA.
No
Brasil, a pandemia do coronavirus, segundo os especialistas, ainda não chegou
ao pico. A curva dos infectados e de óbitos diários continuam subindo. O que
inviabiliza a realização de competições esportivas, pelo menos a curto prazo.
Porém, alguns estados, como o Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e
Santa Catarina já estão flexibilizando as medidas de isolamento social. Clubes
do Rio e do Rio Grande do Sul já voltaram a treinar. Enquanto em Santa
Catarina, a Federação Catarinense de Futebol divulgou que o campeonato estadual
serie A vai voltar no dia 8 de julho com jogos da fase de mata-mata da disputa,
que será reiniciada nas quartas de final.
Luciana Campos - jornalista e bacharel em Direito
REFERENCIAS
- (1) Live no canal Lei em Campos
https://www.youtube.com/watch?v=fEhaug8SuG8&t=1360s / acesso em 8
de junho de 2020
- (2) BEAUMONT, Brice. A Justiça decide pelo fim da temporada do
francês, mas sem clubes rebaixados. Disponível em https://leiemcampo.com.br/justica-decide-pelo-cancelamento-do-frances-mas-sem-clubes-rebaixados/ acesso em 9 de junho de 2020
- (3) BELLINI, Higor
Marcelo Maffei. E começaram as
impugnações a decisões administrativas
que encerram os campeonatos antes da decisão que tem o direito ao
ascenso e ao descendo. Disponível em https://leiemcampo.com.br/e-comecaram-as-impugnacoes-a-decisoes-administrativas-que-encerraram-os-campeonatos-antes-da-decisao-dos-que-tem-o-direito-ao-ascenso-e-ao-descenso/
acesso em 9 de junho de 2020
- https://www.ol.fr/fr-fr/contenus/articles/2020/06/09/communique-ol-du-9-juin-2020
- Código Brasileiro de Justiça Desportiva
- http://fcf.com.br/competicoes/campeonato-catarinense-serie-a-2020-retorna-no-dia-08-07/
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