CONTROLE JURISDICIONAL SOBRE OS ATOS ADMINISTRATIVOS


Em nosso Estado Democrático de Direito todo aparato político e burocrático é dividido entre três poderes, Poder Legislativo, Poder Judiciário e Poder Executivo, independentes e harmônicos entre si, entretanto, mesmo tais poderes funcionando em suas respectivas funções, há a possibilidade de controle e interferência de um poder no outro, controle este chamado de freios e contrapesos. Essas “invasões” entre um poder e outro não é algo novo e no decorrer de nossa história sempre ocorreram episódios de disputas institucionais entre eles.

Com o avanço da crise sanitária relacionada ao COVID19 em 2020, e com múltiplos pensamentos de como agir em um momento de grande dificuldade e incerteza, esse conflito não é diferente e divergências afloram o embate entre os Poderes no atual palco político brasileiro.

Como exemplo desta “briga”, trago como exemplo a decisão em que o Supremo Tribunal Federal (STF), por intermédio de um mandado de segurança (MS) 37097, impetrado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), decidiu ir contra o decreto de 27/4 do presidente da República, pelo qual foi realizado a nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal.

Sem entrar no mérito político partidário, proponho com esse texto trazer uma síntese sobre o entendimento da possibilidade do controle do Poder Judiciário em face do ato administrativo.

Nesta senda, para se tornar palpável esse entendimento, inicialmente, é imprescindível entender as funções do Estado e seus Poderes. Os três Poderes se dividem em Poder Legislativo, o qual tem a função legislativa, em que o Estado realiza a constituição das leis, sendo considerado um ato primário; o Poder Judiciário, que tem a função jurisdicional, pelo qual o Estado aplica a lei com o fim de solucionar conflitos de interesse e a aplicação impositiva da legislação, sendo um ato subsidiário, atuando mediante provocação das partes; e o Poder Executivo, que tem a função executiva, relativa a aplicação da lei pelo Estado por intermédio de ato concreto visando alcançar o interesse coletivo, sendo um ato complementar, ou seja, a administração atua visando fazer cumprir o expresso em lei, com o intuito de alcançar os fins estatais.

Temos também de ter em mente a distinção entre o sentido subjetivo e objetivo da Administração Pública. O sentido subjetivo corresponde aos entes que exercem a função administrativa, os órgãos da União, Estados, DF e Municípios, que constituem a Administração Direta, também há as pessoas jurídicas responsáveis pela execução indireta da atividade administrativa, as Autarquias, Fundações, etc. que compõe a Administração Indireta. O sentido objetivo remete-se a natureza da atividade exercida pelos referidos entes, com o intuito de atender as necessidades da coletividade, os quais incumbem tal atividade preferivelmente ao Poder Executivo, abrangendo o fomento, relacionado ao incentivo à iniciativa privada de forma que estas se condicionem à utilidade pública; a polícia administrativa, concernente a atividade de limitação administrativa, ou seja, restrições impostas por lei em detrimento do direito individual em favor da coletividade; e o serviço público, relativo à atividade que satisfaz a necessidade coletiva.

O ato administrativo se correlaciona com a execução das funções administrativas, como dito, exercido preferencialmente pelo Poder Executivo. É um instituto de extrema importância para se entender como funciona o exercício da atividade estatal, ou seja, a exteriorização da vontade administrativa unilateral, em âmbito do regime de direito público, com o fim de adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou, ainda, impor obrigações aos particulares e constituir limitações ao próprio Estado quando este exerce o Poder Público, segundo Hely Lopes Meireles (2006).

Desta forma, o ordenamento pátrio adotou a Teoria do Órgão, relacionado à prática dos atos administrativos por pessoas físicas atuando em nome do Estado. Os órgãos públicos, como pessoa jurídica, não têm vontade, nem vida própria, não podendo agir diretamente, mas por meio de seus agentes que enquanto desempenham suas atividades, ao mesmo tempo desempenham a própria atividade da Pessoa Jurídica.

Assim, com o fim de desempenhar as funções estatais através dos atos administrativos, a Administração Pública, através de seus agentes públicos, detém poderes que asseguram sua supremacia sobre o privado, para se chegar ao interesse público, ou seja, os atos administrativos são dotados de características e qualidades normativas que o particularizam, diferenciando-se das prerrogativas que os privados possuem.

Destarte, o grau de liberdade dos agentes para a tomada de decisão pode variar de acordo com o estabelecido pelo legislador, com isso, a distinção entre a discricionariedade e vinculação é de suma importância para se entender o controle jurisdicional sobre o ato administrativo.

Assim, o ato vinculado ocorre quando o legislador não deixa opções para a autoridade decidir como agir, ou seja, a lei estabelece, diante de determinada situação de fato, como e de que forma o agente deve agir. Em outras hipóteses o ordenamento jurídico deixa certa margem de decisão à autoridade para ser tomada uma decisão diante de um caso concreto, podendo-se optar por uma entre várias opções em que a lei permitir, sendo nestes casos o poder do agente chamado de discricionário, pois a adoção de uma ou outra opção de ação é feita segundo a égide da oportunidade e conveniência, ao ponto que se a ação estatal ultrapassar os limites traçados pela lei configura-se uma decisão arbitrária, ação dotada de ilegalidade.

No que tange aos atos vinculados, o Poder judiciário não tem restrição para execução do controle jurisdicional, pois tal ato administrativo deve respeitar o estabelecido em lei, com isso, o Judiciário deverá determinar a anulação do ato reconhecido como ilegal. No que diz respeito ao ato discricionário, o controle jurisdicional é possível, porém, o poder judiciário deverá respeitar a discricionariedade administrativa preconizada em lei. Em regra, o Judiciário poderá apreciar os aspectos de legalidade do ato discricionário, verificando se o agente não ultrapassou o espaço livre deixado pelo ordenamento. Ressalta-se que o controle jurisdicional não averigua o mérito da decisão administrativa (oportunidade e conveniência), mas sim, se ocorreu a inobservância da legislação vigente.

Na doutrina brasileira encontra-se algumas teorias com o intuito de controlar o alcance do poder discricionário, aumentando a possibilidade de apreciação por parte do Poder Judiciário sobre estes atos.

A primeira teoria a ser observada relaciona-se ao desvio de poder, a qual a autoridade competente pelo ato utiliza-o para atingir um fim diverso daquele que a legislação determinou, ficando o Poder Judiciário autorizado a determinar a nulidade do ato, temos como exemplo, Rafael Oliveira (2018): “a remoção ex officio de um servidor em razão de perseguição pessoal do seu chefe – a remoção não pode ter caráter punitivo; a cessão de imóvel desapropriado para empresa privada executora de atividade econômica lucrativa – a desapropriação só pode ter por finalidade a utilidade pública, a necessidade pública ou o interesse social)”.

 Uma segunda teoria chama-se teoria dos motivos determinantes, Rafael Oliveira (2018) diz: “a validade do ato administrativo depende da correspondência entre os motivos nele expostos e a existência concreta dos fatos que ensejaram a sua edição”, temos como exemplo a exoneração de agente ocupante de cargo em comissão motivada pelo reiterado descumprimento do horário de trabalho. Comprovado pelo agente que a motivação é falsa, o ato será invalidado.

A terceira teoria é relativa a compatibilidade entre os atos administrativos e os princípios consagrados no ordenamento jurídico pátrio, tais como: princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, expressos no art. 37, caput, CRFB/88, chama-se teoria dos princípios jurídicos e o controle de juridicidade. Quando o ato administrativo fere algum princípio elencado acima, o Poder Judiciário poderá determinar sua nulidade.

Dito isto, traz-se novamente o fato exposto no início do texto, no tocante a decisão do Supremo Tribunal Federal em face do ato administrativo presidencial de nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. Extrai-se do site do Supremo Tribunal Federal uma síntese do entendimento do Min. Alexandre de Moraes sobre o caso: 

“O STF, portanto, tem o dever de analisar se determinada nomeação, no exercício do poder discricionário do presidente da República, está vinculada ao império constitucional”, afirmou. “A opção conveniente e oportuna para a edição do ato administrativo presidencial deve ser feita legal, moral e impessoalmente, e sua constitucionalidade pode ser apreciada pelo Poder Judiciário”.

            Por fim, conclui-se que o administrador público tem o dever de pautar sua atuação em consonância com o ordenamento jurídico, visando o interesse público, bem como observar os princípios do regramento jurídico que regem a administração pública, desse modo, sem entrar no mérito partidário, mostra-se possível a possibilidade de o Poder Judiciário controlar atos administrativos com o intuito de atribuir limites a discricionariedade, o que não implica na invasão da mesma, impedindo as arbitrariedades que a Administração Pública pratica sob o pretexto de agir discricionariamente.


Fontes:

DI PIETRO, Maria. Direito Administrativo. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2019.

OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2018.

RODRIGUES, Lucas; LUCCHI, Renatha. Controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários com base nos princípios da administração pública e da inafastabilidade da jurisdição. Toda matéria. 2019. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/controle-jurisdicional-dos-atos-administrativos-discricionarios-com-base-nos-principios-da-administracao-publica-e-da-inafastabilidade-da-jurisdicao/#:~:text=%E2%80%9CO%20controle%20judicial%20sobre%20atos,h%C3%A1%20ou%20n%C3%A3o%20compatibilidade%20normativa. 

Ministro Alexandre de Moraes suspende nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da PF. Supremo Tribunal Federal. Distrito Federal. 29 de abr. de 2020. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442298&ori=1

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