Quando falamos em direitos políticos associamos rapidamente às eleições. Raciocínio correto, vez que da concepção de direito político se materializa no ato de votar ou ser votado. Há, entretanto, uma série de condições e requisitos que habilitam o cidadão comum a exercer esses direitos, e quanto a classe dos militares, encontramos mais especificidades, que passarei a analisar de forma mais clara a seguir.
Antes de começar a falar mais retidamente sobre os direitos políticos dos militares penso que seja interessante entender um pouco qual a finalidade das forças armadas, e qual o papel do militar. Tal finalidade está disposta no artigo 142 da Constituição Federal cuja redação diz o seguinte:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
As forças armadas, portanto, alicerçadas na hierarquia e disciplina, devem majoritariamente agir em prol da defesa da pátria, da garantia dos poderes constitucionais, e da garantia da lei e da ordem, por iniciativa de qualquer dos três poderes
O militar, enquanto agente individualizado das Forças Armadas, deve cumprir essas finalidades através de uma série de ações que lhe são inerentes ao exercício da função, e que o próprio ordenamento jurídico determina que assim o seja. Portanto, o militar está sujeito, sem prejuízo de demais especificidades, a:
- disponibilidade de mobilidade geográfica: o militar pode ser alocado para qualquer região do país;
- não fruição de direitos sociais trabalhistas: ao militar não estão assegurados direitos como o adicional noturno, hora extra entre outros;
- dedicação exclusiva: o militar em atividade não pode exercer qualquer outra profissão, sua dedicação é, portanto, exclusiva, 24 horas por dia, exceto os casos previstos em lei. Mas, mesmo na inatividade, ele permanece vinculado à profissão;
- proibição ao gozo dos direitos políticos: o militar da ativa não pode filiar-se a partidos políticos ou participar de atividade de cunho politico-partidário, como greves ou qualquer movimento reivindicatório.
Apesar de ter listado apenas algumas características, e de todas elas serem capazes de gerar questionamentos, vou me deter ao fato de que: se é proibido ao militar filiar-se a partido político, e se conforme diz a Constituição, que para ser elegível (ser candidato) é necessária a filiação partidária, como temos tantos militares em cargos eletivos? Como foi possível a candidatura desses militares?
Primeiramente pra responder a essa pergunta é necessário voltar um pouco ao conceito de direitos políticos. Esse é compreendido entre em ativo e passivo. O primeiro refere-se ao direito de poder votar e o segundo ao direito de poder ser votado, uma alusão à figura do eleitor e à outra do elegível/candidato.
Quanto aos direitos políticos ativos, a Constituição Federal, no que tange ao voto dos militares, demonstra que apenas ao conscrito¹ é vedado o exercício do direito ao voto. Diz o parágrafo 2º do artigo 14 que:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(...)
§ 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.
Quanto ao direito politico passivo, ou seja, de ser votado a Constituição Federal proíbe ao conscrito, mesmo se esse já possuir título de eleitor desde os dezesseis anos, o direito ao alistamento eleitoral enquanto presta o serviço militar obrigatório, com isso não adquire a capacidade eleitoral passiva, ou seja, o direito de ser votado e assim não poderia candidatar-se. Visto que, o direito de ser eleito se contrapõe ao dever de servir as forças armadas durante certo tempo, com exclusividade.
Já os demais militares, no entanto, são elegíveis de acordo com o art. 14, §8º:
§ 8º O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:I – se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade.II – se contar com mais de dez anos de serviço será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.
Como podemos notar existem duas condições temporais em que o militar é elegível, a primeira quando o militar possui menos de dez anos de serviço, e a segunda é quando possui mais de dez anos de serviço. Esse prazo é importante pois é com 10 anos de serviço que o militar adquire estabilidade funcional. Diante desse recorte temporal, ainda enfrentamos a questão do impedimento do militar se filiar a um partido. O que temos na prática é que o militar não fica incapacitado de candidatar-se nas eleições, mas o procedimento no seu caso é diferente.
O militar da ativa faz um pedido de registro como candidato, cuja apresentação está vinculada a um partido. Em outras palavras, ele tem o registro de um partido, uma sigla partidária, mas não faz parte do quadro de filiados. Por fim, esse pedido de registro é apresentado ao Tribunal Eleitoral, e com sua aprovação, o militar está apto para disputar a eleição. Essa foi a alternativa legal encontrada para permitir que os militares possam fruir do direito de serem votados.
Obtido o registro da candidatura, temos duas alternativas: 1) o militar, que possuir menos de dez anos de serviço será excluído do serviço ativo, cabendo ao comandante da organização militar iniciar o processo de exoneração, assim que for comunicado do registro da candidatura; 2) o militar que possuir mais de dez anos de serviço, e está estabilizado, será afastado da ativa, ou agregado. Vamos entender melhor as hipóteses a seguir.
Com relação ao militar sem estabilidade, com menos de 10 anos de serviço, o procedimento pode ser comparado a exoneração. A partir do momento em que sua candidatura é aprovada, e independente de ter sido efetivamente eleito, o militar é afastado de suas funções e não tem direito à percepção salarial.
Já o militar candidato, que contar com mais de dez anos de serviço, será colocado na condição de agregado, durante o período de campanha, onde faz jus à remuneração. Se o militar for eleito será transferido para a reserva remunerada, recebendo proporcional ao seu tempo de serviço, ficando na situação de inatividade permanente.
Por outro lado, o candidato militar com mais de 10 anos de serviço e que não foi eleito passa pelo processo de reversão. Nesse sentido a reversão acontece logo depois do resultado das eleições e a ciência pelo comando da organização militar a que pertence, e acarreta no retorno do militar que estava na condição de agregado ao serviço ativo.
Devemos também considerar o caso dos militares que não são da ativa, e já se encontram em situação de reserva remunerada ou reformados. Para eles, se quiserem se candidatar, é exigido a filiação partidária com no mínimo um ano de antecedência das eleições.
Apesar de os militares serem uma classe excepcionalmente estigmatizada, não faz parte do processo democrático afastar sua total fruição dos direitos políticos. Nesse sentido é que se tem desde 1988 tentado ampliar a participação das classes na política, com a justificável quantidade de exigências aos militares. Por fim, em momentos de grande aumento do número de militares, em especial das forças armadas, nos cargos do legislativo e executivo, é importante ter pelo menos uma noção acerca do procedimento e requisitos que possibilitam sua elegibilidade.
Espero ter contribuído.
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¹ conscrito designa o conjunto de homens brasileiros que, no ano em que completam dezoito anos, que participam do processo de seleção para o serviço militar. Não serão, entretanto, todos os conscritos que estarão impedidos de votar, apenas aqueles que forem efetivamente selecionados para servir na Marinha do Brasil, no Exercito Brasileiro ou na Força Aérea Brasileira. Além deste caso, também são considerados conscritos os médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários que não prestaram o serviço militar obrigatório quando completaram dezoito anos. Esses jovens, devido a realização do curso superior, acabaram por adiar a seleção para prestar o serviço militar obrigatório e portanto apos a conclusão da graduação são incorporados as forças armadas e perdem seus direitos políticos por um ano, ou seja, ao voto.
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https://jus.com.br/artigos/7626/o-direito-eleitoral-militar
https://calaudyo.jusbrasil.com.br/artigos/614260289/direito-eleitoral-e-seus-reflexos-na-administracao-militar-e-no-preparo-e-emprego-da-tropa-parte-2-o-militar-candidato-a-cargo-eletivo
https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2588702/os-militares-da-ativa-podem-ser-candidatos-as-eleicoes-sem-que-estejam-filiados-a-partidos-politicos-denise-cristina-mantovani-cera
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