O surgimento
da pandemia do novo coronavírus trouxe para o Brasil e para o mundo diversos
desafios a serem superados. Além do principal objetivo que é lidar com o
sistema público de saúde e encontrar uma possível vacina, é de entendimento
comum que uma parcela significativa da população brasileira passará por alguma
dificuldade como consequência da queda da economia.
Os
especialistas afirmam que a recuperação poderá levar anos, mas soluções
pontuais precisam ser encontradas para solucionar ou atenuar as consequências
da pandemia.
Dentre
tantas situações, uma gera grande debate: a situação da inadimplência nos
contratos de locação de imóveis residenciais e não residenciais. No primeiro caso, para se ter uma ideia do tamanho real do problema, segundo a última
pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de
17% dos imóveis residenciais brasileiros são alugados.
Com o
consequente aumento do desemprego, a instabilidade financeira tende a subir
consideravelmente, atingindo em cheio quem precisa da renda para manter o seu
imóvel ou para aqueles que recebem os valores dos aluguéis para sobreviverem ou
complementarem a sua renda.
As ações na
justiça começam a se multiplicar em uma velocidade preocupante. Juízes e
Desembargadores tentam encontrar soluções nos casos concretos, por ainda não
terem base legal para trabalhar a matéria. Como consequência, acabam gerando prejuízos para uma das partes.
Visando
encontrar soluções, foi criado o Projeto de Lei 1.179/2020, de autoria do
Vice-Presidente do Senado Federal, Antonio Anastasia (PSD-MG), e que dispõe
sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de
Direito Privado no período da pandemia do coronavírus (covid-19) no Brasil.
O Projeto de
Lei, de forma geral, trata de diversos temas importantes para a nossa
sociedade, como o prazo para abertura de inventários, o direito ao
arrependimento de mercadorias compradas pela internet, além da previsão de
prisão domiciliar para devedores de pensão alimentícia.
Contudo, uma
das medidas que mais teria impacto no texto inicial da PL 1.179/20, seria o que
previa que os locatários que tivessem a renda diminuída, seja por desemprego ou
redução de salário, poderiam suspender, total ou parcialmente, o pagamento dos
aluguéis entre 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020. Além dessa
medida, o texto previa que após a data limite, os valores suspensos deveriam ser
quitados de forma parcelada junto com as cobranças posteriores.
Após
diversas críticas de outros Senadores, o artigo que tratava do assunto foi
retirado do texto-base, pois segundo seus opositores, seria o mesmo que
transferir todos os encargos do locatário para o locador, não sendo justo e
viável. Ainda que esse importante trecho do PL tenha sido retirado, o
texto manteve a proibição da concessão de liminar de desocupação de imóvel
urbano, conforme discorre o artigo 9º:
"Art. 9º Não se concederá liminar
para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art.
59, § 1º, incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei nº 8.245, de 18 de
outubro de 1991, até 30 de outubro de 2020.
Parágrafo único. O disposto no caput
deste artigo aplica-se apenas às ações ajuizadas a partir de 20 de março de
2020".
Importante
destacar que a medida impeditiva não vale para as decisões de mérito e sim para
as medidas liminares, aquelas que ocorrem independentemente da audiência da
parte contrária e com a prestação de caução no valor equivalente a três meses
de aluguel.
Não há dúvidas
que o artigo é importante para as relações entre locadores e locatários. Contudo,
a limitação do poder de despejo através das liminares não elimina os diversos problemas que precisam ser resolvidos para que possamos lidar com as situações
concretas, principalmente a falta de pagamento dos valores pactuados nos contratos de
locações.
Porém, ainda
que não tenha sanado todas as questões, depois de toda a discussão no Senado
Federal e na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 1.179/2020 foi aprovado e
agora aguarda a devida sanção da Presidência da República.
Dentro desse
contexto, ainda que não esteja em vigor, os Tribunais de Justiça já se
articulam para usar o PL como justificativa para o indeferimento de
liminares de despejo, como podemos observar do caso concreto abaixo, no qual as decisões de primeira e segunda
instância foram unânimes ao negar o despejo de um locatário:
“Os contratos firmados entre as partes
estão desprovidos de quaisquer das garantias previstas no art. 37 da Lei de
Locações (Lei nº 8.245/1991), o que autorizaria o despejo liminar.
Contudo, a propagação mundial do vírus
Sars-CoV-2, causador da doença respiratória Covid-19, impôs severas alterações
na realidade social vivenciada pela população mundial, com óbvios reflexos econômicos
e nas relações privadas.
É certo que, embora haja discussões em
andamento acerca da necessidade de alterações legislativas para regulamentar,
de forma excepcional, algumas relações privadas, ainda não houve elaboração de
qualquer norma nesse sentido, embora exista projeto de lei em curso.
Não posso desprezar a
excepcionalidade do momento, nem deixar de considerar que o despejo do réu
poderá trazer-lhe prejuízos irreversíveis sobretudo se aprovado na Câmara dos
Deputados o PL. 1.179/2020.
Obviamente que este magistrado tem ciência
de que tal projeto de lei ainda depende da apreciação da Casa Revisora e,
portanto, tal regra ainda não vigora em nosso ordenamento jurídico. Nada
obstante, trata-se de clara sinalização do Parlamento brasileiro de que a
legislação precisa adaptar-se à realidade social e às dificuldades enfrentadas
por todos.
Pelo exposto, INDEFIRO a liminar de
ordem de despejo"¹.
Podemos perceber
que a necessidade de se legislar em tempo de pandemia nunca foi tão importante para esclarecer dúvidas e contradições. Na decisão de primeira instância, o magistrado
já se adianta para a possível sanção do PL. 1.179/20, o que na segunda instância foi ratificado pela Desembargadora relatora do recurso:
“...deve-se observar que, em razão da
disseminação da Covid-19 e das medidas governamentais de combate e redução dos
riscos de contaminação implementadas, a situação financeira de muitos cidadãos
foi afetada drasticamente. Ainda, o despejo do agravado neste período de
isolamento decorrente da pandemia causaria prejuízos não só ao locatário e sua
família, mas revelar-se-ia contrário ao interesse público, haja vista o aumento
do risco de contaminação.
Nesse cenário, atuou com acerto o d.
magistrado de origem, Juiz Edson Lima Costa, ao, exercendo um juízo de
ponderação de interesses, consignar que “deve prevalecer o direito à saúde e à
integridade da parte ré e de seus familiares, em obediência aos princípios da
supremacia do interesse público e da dignidade da pessoa humana, que também é
fundamento desta República Federativa, nos termos do art. 1º, III, da
Constituição Federal, ressalvados os direitos da autora relativamente aos
aluguéis devidos por todo o período de ocupação”
Portanto, não exsurge dos autos a
urgência no deferimento monocrático da tutela antecipada recursal pleiteada
para o despejo do agravado, sobretudo se o risco de dano, embora presente para
ambas as partes, revela-se mais acentuado para o recorrido e sua família.
Ressalta-se, por fim, que a análise
incitada pela agravante requer maior aprofundamento, após a oitiva da parte
agravada, devendo a questão ser decidida pelo colegiado, quando do julgamento
definitivo do presente recurso.
Ante o exposto, indefiro a antecipação
dos efeitos da tutela recursal vindicada"¹
É importante
destacar que mesmo que as decisões impeçam o despejo através de liminares, o
locatário não deve entender que essas decisões são uma isenção para o não
pagamento dos aluguéis. Caso não ocorra uma negociação entre locador e
locatário, o não pagamento dos valores poderá ter o acréscimo de multas e
juros.
Na atual
situação em que vivemos, o ideal é que o locatário que esteja com dificuldades
de honrar com o aluguel seja sincero com o locador para que ambos possam encontrar soluções. Demonstrar as dificuldades e tentar negociar poderá ser uma medida segura e
menos desgastante para as partes, e para que quando toda a situação melhorar,
possam, de comum acordo, reestabelecer o antigo contrato.
Por fim, as vias judiciais no presente momento podem ter efeitos
contrários. Com diversas ações sendo propostas, o tempo para
encontrar uma solução poderá ser muito maior do que uma conciliação entre locador
e locatário, o que no atual momento poderá ser a melhor saída.
Leonardo
Gonçalves, advogado e responsável pela coluna de direito civil do Blogger
Direito com Amigos.
__________________________________
1 Agravo de
Instrumento nº 0710687-28.2020.8.07.0000. TJDF. Relatora: Des. Sandra Reves
Vasques Tonussi. 2ª Turma Cível. Data de publicação: 11/05/2020
SILVEIRA, Daniel
e CAVALLINI, Marta. Em meio à crise, cresce o número de brasileiros que ‘moram
de favor’, aponta IBGE.
Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/em-meio-a-crise-cresce-o-numero-de-brasileiros-que-moram-de-favor-aponta-ibge.ghtml
Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/em-meio-a-crise-cresce-o-numero-de-brasileiros-que-moram-de-favor-aponta-ibge.ghtml
GARBI,
Carlos Alberto. A locação em tempo de pandemia e o projeto de lei 1179/20 do
senado.
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/324442/a-locacao-em-tempo-de-pandemia-e-o-projeto-de-lei-1179-20-do-senado
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/324442/a-locacao-em-tempo-de-pandemia-e-o-projeto-de-lei-1179-20-do-senado
Projeto de
Lei nº 1.179/20: Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações
Jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do coronavírus.
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