Abstendo-se somente ao preconceito racial - leia-se preconceito em relação aos negros, pois cientificamente falando a raça humana é uma só, e não há diferença genética suficiente para que haja classificação diversa em função da cor da pele - à título de exemplo, inúmeras expressões são utilizadas no cotidiano e carregam atributos depreciativos à cor negra: "Denegrir, Negativar, Da cor do Pecado, Teto Preto, Mercado Negro, Lista Negra, Ovelha Negra, Peste Negra, Magia Negra, Samba do Crioulo Doido, A Coisa Tá Preta, Mulata..." sem nos esquecermos dos gatos pretos que no século XI foram associados à rituais malignos e tiveram atribuídos à sua figura o azar, já que suas aparições eram constantes em períodos noturnos e acreditava-se que tinham ligações com as trevas. Para sacramentar tal pensamento, em contraposição temos expressões ligadas a cor branca ou clara de forma positiva, pois de que forma um "pensamento claro", uma "inveja branca" ou a pomba branca remeteriam à algo ruim?
Como um ciclo vicioso, os reflexos dos mais de 300 anos em que o negro permaneceu sendo escravizado refletem no convívio social e cerceiam sua ascensão profissional e intelectual. Como maioria populacional nas áreas periféricas e um potencial financeiro extremamente limitado, o acesso ao ensino fundamental e médio proporcionado pelo governo não trás base suficiente para que o aluno adquira conhecimento e aprove-se no vestibular do ensino superior. Consequentemente, a população negra ocupa em sua maioria profissões de baixa qualificação. Por outro lado e bem pior, muitos se quer concluem os ensinos básicos, muitas vezes influenciados pela facilidade oferecida nos ambientes em que residem. Neste mesmo contexto, o racismo estrutural impede muitas vezes que inclusive o negro com alta qualificação intelectual, ocupe cargos ou obtenha salário condizente com seu nível de escolaridade. Infelizmente, a cor de pele ainda tem sido fator determinante para ascensão social. Sem se abster à questões políticas, o racismo tem apenas se fortalecido, contudo na maioria das vezes de forma implícita.
Porém se no aspecto político não podemos realizar modificações imediatas, no âmbito social temos total liberdade para realizar uma mudança ética. Travemos pois uma guerra contra o senso comum e contra um contexto histórico que requer uma grande batalha, utilizando do armamento mais contundente, que é o conhecimento. Não há idade mínima para os recrutas: Crianças, idosos, jovens, adultos, todos detém potencial lesivo para efetuar ataques e aniquilar tais comportamentos! E o ataque sempre foi a melhor defesa, não?
No aspecto jurídico, a conduta ofensiva ou discriminatória pode ser direcionada à depreciação da honra de uma vítima ou de uma coletividade, o que determina tipos penais diferentes. A Constituição Federal de 1988 evidencia a igualdade racial perante a lei, aponta repúdio ao racismo e o classifica como crime inafiançável e imprescritível, conforme redação à seguir:
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
Com o advento da Lei 7.716/89, houve a tipificação de diversas condutas que incidem no crime de racismo, e em seu artigo 20 estão presentes as mais comuns de enquadrarmos o tipo penal no cotidiano, que são: "Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional", punidas com pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. É possível notar que o crime de racismo tem uma abrangência maior e o legislador buscou proteger um número indeterminado de pessoas que seriam atingidas por condutas discriminatórias.
Quanto à injúria racial, a conduta está prevista no código penal em seu artigo 140 parágrafo 3º, onde a utilização de elementos referentes à cor ou raça para ofender a honra de um indivíduo é apenada com reclusão de 1 a 3 anos e multa, sem prejuízo da pena correspondente à violência de quem a praticou, havendo desta forma uma forma qualificada em relação ao tipo penal presente no caput do artigo. Desta feita, é notório que o entendimento do legislador pautou-se num juízo de reprovabilidade, pelo alcance diferenciado de uma conduta ofensiva. Para melhor exemplificar a diferenciação, se alguém diz que "Odeia negros", comete o crime de racismo; Se em uma discussão, um indivíduo tenta ofender outrem dizendo que fulano "é um preto burro", cometeria em tese o crime de injúria racial, pois se utiliza da cor da pele ou raça para aumentar a ofensividade.
Todavia, em uma breve análise subjetiva, é evidente que o dolo do agente atinge a coletividade, independentemente de dirigir-se apenas a um indivíduo, já que nos dois tipos penais o núcleo da ofensa ou discriminação encontra-se na cor de pele ou na "raça", atribuindo insultos ou termos pejorativos e cerceando acesso profissional ou atendimento por exemplo, se utilizando de tal característica como justificativa.
Por haver entendimento diverso pelo legislador e pela separação das condutas, o crime de racismo ao menos deveria culminar em punições mais severas tanto no quesito de duração da reclusão, quanto estendendo-se inclusive ao âmbito administrativo, atingindo o estabelecimento onde há tal prática, como por exemplo os hotéis, escolas e restaurantes que proibissem a entrada ou se negassem a prestar atendimento ao cliente negro. Há uma reprovação maior tanto por ser imprescritível e inafiançável, quanto por desrespeitar os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Além da reprovabilidade social, seja uma conduta classificada como injúria ou racismo, quem as desenvolve comete crime e o fato de se relacionar com pessoas negras não torna ninguém livre de ser processado por isso.
Portanto, caso presencie ou sofra qualquer dessas formas de discriminação não se omita, DENUNCIE! Caso não saiba como, procure um advogado para as devidas orientações.
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