Se sair perguntando por aí, dificilmente as pessoas irão te dizer que animal é igual a uma cadeira, a um sofá, a uma moto, a uma geladeira, a resposta que normalmente se ouve é: "Animal é um ser vivo como nós, só que não falam!". Algumas pessoas, inclusive, dirão que são melhores que nós seres humanos (particularmente, concordo com elas). Porém, de acordo com as leis brasileiras, animal é coisa. Então, é sobre isso que eu quero falar hoje e o que está sendo feito para mudar essa realidade.
O Brasil é um país com uma multiplicidade gigantesca de leis, calcula-se que ao todo existam mais de 181 mil leis (levantamento feito pela Casa Civil da Presidência da República). Então, é de se imaginar que com esse tanto de lei cada ser vivo, ato, comportamento e/ou objeto tenha o seu lugar definido e seus direitos e deveres muito bem estabelecidos.
Porém, não é isso que ocorre quando falamos sobre os animais no direito brasileiro. Eles foram sendo deixados de lado, meio que sem importância para aqueles que estabelecem as leis no Brasil. E isso não está relacionado a um governo específico ou a uma determinada época, isso é um "desleixo histórico" que nem se tem notícias de quando começou, mas que tem ares de tradição, até mesmo em outros países.
Como todo mundo já sabe e é uma máxima famosa: "No Brasil para tudo se dá um jeitinho". Acontece que o jeitinho que arrumaram para saber quais leis, direitos e deveres se aplicam aos animais no Brasil, foi vendo o que mais se aproximava na definição de animal.
Foi nesse momento que olharam para o artigo 82 do código civil brasileiro (Lei Federal 10.406/2002) e leram a seguinte expressão: "são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio (...)" e alguém deve ter pensado: "Essa é a resposta! Afinal, se animal não é pessoa, ele só pode ser coisa, ou seja, um bem, até porque se encaixa perfeitamente na descrição de bens móveis, além disso, os animais têm dono, são comprados, vendidos, alugados. É isso, animal é coisa!"
Eu até acredito que o primeiro ser humano que quis achar uma definição jurídica para os animais os enquadrando como coisa, não agiu de maldade, ele só não pesou as consequências dessa decisão.
Os bens móveis são passíveis dos direitos da posse e da propriedade, estes também definidos no código civil (artigo 1.228) como os direitos de usar gozar e dispor (vender, doar, trocar, alugar). É este artigo que garante a você vender uma casa, doar dinheiro à caridade, trocar livros com amigos, alugar um carro.
Ocorre que quando pensamos nesses exemplos da casa, dinheiro, livros e carro, objetos inanimados, não imaginamos qualquer carga negativa. A casa, apesar de nos trazer memória afetiva, não vai sentir a falta do antigo proprietário, o dinheiro não vai sentir saudade da carteira que estava antes, os livros não vão estranhar os ambientes novos que foram levados e os carros não serão afetados emocionalmente a cada nova pessoa que sentar em seus bancos.
Porém, quando percebemos que os animais também podem ser vendidos, doados, trocados ou alugados e, ainda, quando sabemos, através da ciência, que os animais são seres sencientes (que tem sentimentos), ou seja, que esses animais sentirão falta do antigo proprietário, sentirão falta do antigo lar, estranharam os novos ambientes e serão afetados a cada nova pessoa que eles tiverem contato, a ideia de lhes tratar como bens móveis é chochante e tem, inclusive, ares de crueldade. Entretanto esta realidade poderá mudar.
Atualmente, no Congresso Nacional, tramita o projeto de lei 6.054/2019 (Antigo PL 6.799/2013), este projeto objetiva dar tratamento digno aos animais condizente com a sua situação de ser vivo senciente. Veja só o que diz o inciso III do artigo segundo desta lei.
Art. 2º Constituem objetivos fundamentais desta Lei:III - reconhecimento de que os animais não humanos possuem natureza biológica e emocional e são seres sencientes, passíveis de sofrimento.
Ainda tem um artigo exclusivo (artigo 4º) deste projeto de lei para dizer expressamente que é para que não se trate mais animais como bens móveis, um artigo destinado a dizer que aquele artigo 82 citado lá em cima não se aplicará mais aos animais, ou seja, eles não poderão mais ser tratados como bens móveis.
A aprovação deste projeto de lei é uma das armas mais importantes para a causa animal, pois não só os animais não serão mais vistos como coisas, como, também, lhes serão garantidos direitos básicos, os mesmos aplicados a nós seres humanos, dois quais reputo sendo o mais importante o direito de proteção à vida.
Infelizmente, nem tudo são flores! Houve uma emenda no texto original do projeto de lei apresentado, incluindo um parágrafo único, que faço questão de colacionar abaixo para mostrar que demos um passo a frente, mas ainda temos muito o que andar pela causa animal.
Parágrafo Único: A tutela jurisdicional referida no caput não se aplica ao uso e à disposição dos animais empregados na produção agropecuária e na pesquisa científica nem aos animais que participam de manifestações culturais registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, resguardada a sua dignidade.
Isso quer dizer que para aqueles animais destinados ao rebanho nacional (gado bovino, equino, caprino, suíno e outros), às pesquisas em laboratório (seja de cosméticos ou medicamentosos) e os animais de rodeio e vaquejadas, por exemplo, a lei não se aplicará e eles ainda serão vistos como bens móveis e toda a consequência negativa que isso traz.
Em que pese essa emenda contra a causa animal, este projeto de lei ainda é um avanço considerável. Anos atrás era inimaginável que os congressistas se dispusessem a propor, debater e aprovar uma lei que expandisse os direitos dos animais. Isso nos mostra que a nossa luta diária, seja nas ONG's, seja no Congresso, nas mídias, ou até mesmo em casa, pela causa animal, não só não é em vão como, ainda, tem rendido frutos importantes.
Se gostou do texto, compartilhe com os amigos. Sinta-se à vontade para deixar nos comentários suas críticas e opiniões para que possamos sempre melhorar. Também aceito sugestões de próximos temas sobre o mundo jurídico animal. Mês que vem eu volto com mais sobre o direito animal.
Daniel Leal
Contato: danieldcl.adv@gmail.com
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