Casamento e União Estável: Considerações sobre seus efeitos e diferenças.



    Atendendo a uma sugestão apresentada no instagram do nosso blog @direitocomamigos_, esse mês decidi falar um pouco sobre os institutos do Casamento e da União Estável que, apesar de muito presentes na nossa sociedade, ainda são objetos de diversas dúvidas e questionamentos.

    O referido tema tem grande relevância, uma vez que ambos se tratam de formas de constituição de família que produzem efeitos que são, muitas vezes, desconhecidos ou ignorados, de modo que não é incomum que companheiros e cônjuges somente venham a observar estes efeitos após a realização da união ou mesmo em uma eventual dissolução ou divórcio.

    Desta forma, o presente artigo tem como objetivo apontar diferenças e similaridades entre ditos institutos, com intuito de trazer informações de forma simplificada e prática que possam servir de auxílio àqueles que planejam em breve constituir uma família com seus parceiros, e para aqueles que já vivenciam uma união mas que gostariam de conhecer melhor as suas consequências jurídicas.

    Ressalto que, apesar das informações fornecidas neste artigo, cada família possui suas peculiaridades que merecem ser observadas individualmente, sendo sempre aconselhada a realização de consulta com advogados especializados na área.


Da constituição da entidade familiar:


    O Casamento é um ato solene de união entre indivíduos que se concretiza após a realização dos procedimentos legais e cumprimento de exigências e requisitos de validade na forma disposta no Código Civil, artigo 1.511 em diante, como atos de habilitação, solenidade de celebração, declaração de vontade dos nubentes, declaração do celebrante e registro público..

    Por sua vez, a União Estável é uma situação fática onde dois indivíduos constituíram uma família e vivem como se casados fossem, porém optaram por não realizar os atos formais necessários para configuração do casamento propriamente dito.

    Note-se, portanto, que apesar da ausência do ato jurídico complexo Casamento, subsiste o elemento familiar, que existe por si só como um fenômeno social, independentemente dos fatores burocráticos.

    Desta forma, observa-se a primeira grande diferença entre ambos os institutos: seu modo de efetivação.

    Enquanto o Casamento é um ato jurídico formal, com termo inicial bem delimitado, e de fácil comprovação legal, a União Estável tem origem fática, independente de formalização, podendo apresentar dificuldades quanto à sua comprovação legal e definição do termo inicial da convivência, em especial nos casos em que não houver documento de declaração acerca da referida união.

    Cumpre aqui destacar, que embora não seja um requisito essencial para o seu reconhecimento, a elaboração de documento entre companheiros no qual se declara a existência da união estável - seja através de contrato particular ou, principalmente, na forma de escritura pública - exerce um importante papel na comprovação do caráter familiar do relacionamento, uma vez que a intenção de constituir família é o elemento que configura a união estável e nem sempre é fácil de ser comprovada.

    Além de auxiliar na questão probatória em eventual processo judicial, tais documentos possibilitam aos companheiros tomarem decisões acerca dos efeitos patrimoniais da União Estável como a escolha do regime de bens, e facilitam o exercício de atos da vida cotidiana do casal, como inclusão do companheiro como dependente em plano de saúde, resolução de assuntos em instituições financeiras e hospitalares, dentre outros.


Das relações homoafetivas:


    O Código Civil de 2002 dispôs sobre a União Estável em seu art. 1.723:


Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.


    Em que pese a referência expressa à união “entre o homem e a mulher”, desde 2011 a mesma se estende a casais homoafetivos, por força da decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn 4277 e a ADPF 132, através do qual foi reconhecida a inconstitucionalidade da discriminação entre famílias com base na orientação sexual de seus integrantes.

    Em relação ao casamento, em 2013 a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça dispôs sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo, vetando expressamente a recusa de sua realização pelas autoridades competentes. 

    Assim, atualmente tanto a União Estável quanto o Casamento são aplicáveis também a casais homoafetivos, desde que preencham os requisitos legais para a formação da entidade familiar desejada.


Dos efeitos Sociais


São efeitos sociais do casamento:

  • A constituição de família, nos termos do artigo 226, §§1º e 2º da Constituição Federal, passando a atrair direitos e deveres cabíveis aos cônjuges;
  • O estabelecimento do vínculo de afinidade entre cada cônjuge e os parentes do outro (art. 1.595, §§ 1º e 2º do Código Civil);
  • A modificação do estado civil para o estado de casado; 
  • A emancipação de jovens que possuírem entre 16 e 18 anos de idade quando da contração das núpcias, nos termos do artigo 5º, parágrafo único, II, do Código Civil;

    Em relação à União estável, igualmente ocorre a constituição de família, que atrai direitos civis como o da inclusão em convênios médicos e seguro de vida, bem como o estabelecimento do vínculo de afetividade com os familiares do outro.

    Contudo, a união estável não modifica o estado civil, nem tem o condão de emancipar jovens que possuam entre 16 e 18 anos de idade, como ocorre com o casamento.


Dos efeitos Pessoais


  A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu artigo 226, §5º a igualdade de direitos e deveres exercidos entre cônjuges na sociedade conjugal.

    O Código Civil atribui aos cônjuges direitos e deveres que podem ser destacados na leitura dos artigos 1.565 a 1.570 do referido diploma legal, dentre os quais:

  •     A igualdade entre cônjuges quanto aos direitos e responsabilidades relativas à família e a direção da sociedade conjugal (Reiterando os valores Constitucionais acima mencionados);
  •     A liberdade de decisão acerca do planejamento familiar sem interferências de terceiros ou do Estado (a quem cabe apenas propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito);
  •     A mútua obrigação a concorrer, na proporção de seus bens e rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos;
  •     Direito a acrescer o sobrenome do outro (que se aplica tanto a homens quanto a mulheres);
  • E os deveres recíprocos de fidelidade; vida em comum, no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; e respeito e consideração mútuas (artigo 1.566 do Código Civil).

    Cumpre ressaltar que, em relação ao domicílio conjugal, o mesmo é um direito-dever que não possui caráter absoluto, uma vez que a doutrina admite que um casamento pode perdurar ainda que os cônjuges optem por possuir residências separadas, desde que seja decisão de consenso mútuo entre o casal.

    Aplicam-se também à união estável os direitos acima mencionados, com exceção dos deveres mencionados no artigo 1.566 do Código Civil, uma vez que os deveres do companheiro encontram-se dispostos no artigo 1.724 do mesmo diploma legal, a saber: O dever de lealdade (que também inclui a fidelidade); respeito e assistência; e de guarda, sustento e educação dos filhos.


Dos efeitos Patrimoniais


    Os efeitos Patrimoniais do Casamento e da União Estável são aqueles que trazem consequências econômicas aos Cônjuges e Companheiros, e podem estar relacionados, dentre outros, com a administração e divisão dos bens comuns do casal, a obrigação de alimentos, a realização de negócios jurídicos e a sucessão. 

    Tendo em vista o reconhecimento da união estável como instituição familiar equiparada ao casamento, à luz da Constituição Federal de 1988, os direitos patrimoniais aplicados a ambos os institutos são bastante similares.

    O ordenamento jurídico brasileiro permite que cônjuges e companheiros optem pelo regime de bens que deverá reger a união do casal. São estes regimes:

    A Comunhão Universal de Bens (arts. 1667 a 1.671 do Código Civil): regime através do qual se comunicam bens e dívidas presentes e futuros dos cônjuges, com as exceções listadas no artigo 1.668, incisos I ao V, do Código Civil, dentre as quais:

  •     Bens recebidos através de doação ou Herança que tenham sido gravados com cláusula de incomunicabilidade, bem como os sub-rogados em seu lugar. Por exemplo: Um apartamento herdado por um dos cônjuges gravado com cláusula de incomunicabilidade não integrará os bens comuns do casal. Caso dito apartamento seja vendido e seu valor utilizado para aquisição integral de outro apartamento este também não integrará o patrimônio comum do casal, pois entende-se pela sub-rogação;
  • Dívidas anteriores ao Casamento ou à União Estável que não aproveitem ao casal (caso o objeto da dívida beneficie ao casal, como dívidas contraídas para celebração do casamento, ou relativas ao imóvel que será o domicílio de ambos haverá comunicação).
  • Os bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão, bem como os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge e as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

    Em relação aos bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade, o artigo 1.669 do Código Civil ressalta que seus frutos se comunicam. Desta forma, a título de exemplo, um imóvel herdado pode não integrar a massa de bens comuns do casal, mas os valores recebidos a título de aluguel sobre o mesmo se comunicarão durante a vigência do casamento ou união estável.

    Neste regime de bens a administração do patrimônio compete a qualquer um dos cônjuges/companheiros, sendo certo que tanto bens do casal quanto seus bens particulares respondem pelas dívidas contraídas durante o exercício da administração na razão do proveito auferido.

    Ademais, o regime da comunhão universal de bens tem como efeito patrimonial a necessidade de anuência de ambos os cônjuges para os atos, a título gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns.

    A Comunhão Parcial de Bens (arts. 1.658 a 1.666 do Código Civil): Regime através do qual passam a integrar o patrimônio comum do casal os bens adquiridos na constância do casamento ou da união estável, incluindo-se aqueles obtidos de forma onerosa em nome de um dos cônjuges/companheiros, ou através de fato eventual. 

    As hipóteses de exclusão de bens da comunhão estão relacionadas nos artigos 1.659, incisos I a VII, e 1.661, ambos do Código Civil, dentre os quais encontram-se:

  • Os Bens adquiridos antes da união, e também os adquiridos durante da união advindos de doação ou sucessão, bem como os sub-rogados em seu lugar (a não ser que dita doação ou herança seja feita em favor de ambos);
  • Os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
  • As obrigações anteriores ao casamento, inclusive aquelas provenientes de ato ilícito (a não ser que estas tenham aproveitado ao casal);
  • Os bens de uso pessoal, livros e instrumentos de profissão, bem como os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge e as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes;
  • Bens cuja aquisição tenha como título uma causa anterior à união (Por exemplo: Pagamento de empréstimo realizado antes da união);

    Na comunhão parcial de bens a administração do patrimônio também compete a qualquer um dos cônjuges/companheiros, sendo certo que tanto bens do casal quanto seus bens particulares respondem pelas dívidas contraídas durante a união na razão do proveito auferido, e que os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas por cônjuge ou companheiro para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal.

    Outrossim, tem-se ainda como efeito patrimonial a presunção de aquisição de bens na constância do casamento/união estável nos casos em que não for possível comprovar sua data de aquisição. 

    Tal como ocorre no regime da comunhão universal de bens, na comunhão parcial se faz necessária anuência de ambos os cônjuges para os atos, a título gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns.


    A Separação de Bens (Arts. 1.687 e 1.688 do Código Civil): É o regime no qual cada um dos cônjuges/companheiros permanecem na administração de seu próprio patrimônio, não havendo comunicação entre seus bens.

    Não obstante a autonomia na administração de bens, cônjuges/companheiros são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial (Ou em contrato/escritura declaratória no caso de união estável)

    A Participação Final nos Aquestos (Arts. 1.672 a 1.686): É o regime no qual se mantém a separação total dos bens adquiridos anteriormente e na constância da união, ficando cada cônjuge/companheiro responsável pela administração exclusiva de seus bens. Somente no momento da dissolução da sociedade conjugal os bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento são partilhados na proporção de metade para cada.

    Alguns dos efeitos patrimoniais deste regime de bens são a presunção de aquisição dos bens móveis na constância do casamento quando não houver provas da data correta (Art. 1.674, Parágrafo único, do Código Civil), e a liberdade de alienação de bens móveis.

    Ademais, acerca das dívidas posteriores a união contraídas por um dos cônjuges/companheiros, somente responde aquele quem a contraiu, salvo se restar provado que foi revertida em benefício total ou parcial do outro.

    Os artigos 1.640 e 1.725 do Código Civil estabelecem que o regime legal aplicado tanto para o casamento quanto para a união estável é o da comunhão parcial de bens, sendo permitida a escolha de regime diverso, desde que formalizada através de Pacto antenupcial (casamento) ou contrato escrito entre companheiros (união estável).

    A pluralidade de regimes de bens e a possibilidade de escolha tem grande importância, uma vez que influencia não apenas na administração dos bens durante o casamento/união estável, mas também porque está relacionada ao alcance do patrimônio por dívidas contraídas pelos cônjuges ou companheiros, à necessidade ou não do consentimento do outro para realização de negócios jurídicos, à divisão de bens quando da dissolução da união (seja por divórcio ou em razão de óbito), dentre outros efeitos que devem ser considerados pelo casal antes de iniciarem uma família.

    Importa mencionar que as exceções ao direito de escolha do regime de bens encontram-se no artigo 1.641 do Código Civil, que trata do regime obrigatório da separação de bens, e se aplica tanto no casamento quanto na união estável. 

    Salvo em relação à separação obrigatória, é admissível a alteração do regime de bens, cuja solicitação deve ser realizada judicialmente por ambos os cônjuges ou companheiros, e devidamente motivada.



Dos Alimentos

    Até este momento poucas foram as diferenças apontadas entre os efeitos da união estável e do casamento, e de fato, tendo em vista que ambas se tratam de instituições familiares merecedoras de igual respeito, dignidade e proteção do Estado, sendo paralelas, e não hierárquicas entre si, não há razão para que sejam tratadas com desigualdade.

    Seguindo este entendimento, verifica-se que se estende à figura do companheiro a proteção e os direitos concedidos ao cônjuge também no que se refere ao pagamento de pensão alimentícia, eis que decorre da solidariedade e do dever de mútua assistência.

    Importante destacar que a determinação de pagamento de alimentos a ex-companheiros ou ex-cônjuges estabelecida no artigo 1.704 do Código Civil não é automática, eis que se trata de situação excepcional, que somente deve ocorrer diante de comprovada necessidade, levando-se ainda em conta a possibilidade contributiva do alimentante, e a proporcionalidade entre necessidade x possibilidade.


Da Sucessão:


    Em que pese os avanços trazidos pela Constituição Federal de 1988 ao treconhecer a união estável como meio legítimo de constituição de família, o Código Civil de 2002 atribuiu a este instituto um tratamento desigual em relação ao casamento. Tal desigualdade ficou ainda mais evidenciada nos artigos relativos à sucessão.

    Enquanto as normas sucessórias relativas ao cônjuge foram tratadas no artigo 1.829 e seguintes do Código Civil, a figura do companheiro foi desprivilegiada, tendo seus limitados direitos sucessórios expressos no artigo 1.790 do mesmo diploma legal, nas disposições gerais do livro das sucessões.

    Em 2017 a questão sucessória do companheiro foi objeto de análise do Supremo Tribunal Federal através do julgamento dos Recursos Extraordinários 878.694 e 646.721, julgados em regime de repercussão geral, através do qual a Suprema corte decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, equiparando a união estável ao casamento. 

    Assim, atualmente aplica-se aos companheiros o mesmo regime sucessório atribuído aos cônjuges no artigo 1.829 do Código Civil. 

    Contudo, tendo em vista que o STF não se pronunciou a respeito do artigo 1.845 do aludido diploma legal, que dispõe sobre herdeiros necessários (a quem cabe a reserva de metade dos bens do autor da herança a qual se dá o nome de legítima), a matéria ainda não foi pacificada, havendo doutrinadores que defendem a impossibilidade de se considerar o companheiro como herdeiro necessário, mesmo após sua equiparação com a figura do cônjuge pelo Supremo Tribunal de Federal.

   
    Deste modo, embora grande parte da doutrina contemporânea reconheça que o companheiro foi alçado à posição de herdeiro necessário quando reconhecida sua equiparação com o cônjuge, a incerteza acerca do tema permanece sendo uma grande diferença, talvez até mesmo a principal delas, entre o casamento e a união estável na contemporaneidade.


    Por fim, reitero que o presente artigo não objetivou tratar com profundidade cada um dos temas aqui abordados, mas sim pincelar de forma geral o tema, a fim de trazer à luz a grande quantidade de efeitos que ambos os institutos trazem para a vida civil, bem como apontar algumas de suas principais diferenças e semelhanças. 

    Espero que este texto possa servir para trazer conhecimento e sanar algumas dúvidas, bem como para despertar o interesse acerca do tema, que é bastante rico, denso, e - na minha concepção pouco suspeita - apaixonante.

Comentários