A lei nº 11.340/06 mais conhecida
como Maria da Penha, está prestes a completar 14 anos e infelizmente não há
motivos para comemorações. Apesar de significar um avanço na proteção do gênero
feminino, o efeito esperado não foi alcançado, pois a violência contra a mulher
no contexto familiar não para de aumentar.
De acordo com o art. 5º da
Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é
“qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Portanto,
denota-se que diferentemente do que muitos pensam, a violência contra a mulher
vai muito além de uma agressão física. Como forma de enquadrar mais condutas
nesta lei, o legislador incluiu de forma genérica ações que se desdobram no dia
a dia e são normalizadas de forma errada pela sociedade. O dano psicológico,
por exemplo, se encontra atrelado ao dano moral e se manifesta das mais
variadas formas: Muitos homens manipulam suas companheiras através de atos
classificados como “Gaslighting”, distorcendo fatos e assim criando confusão
mental e dúvida sobre a própria sanidade da mulher; Qualquer tipo de cerceamento
de liberdade; Ameaças; Ridicularização; Humilhação; Chantagens; Perseguições;
Insultos; e etc. Estas atitudes são mais comuns do que imaginamos, tanto durante
um relacionamento quanto após o fim dele, e a maior parte das mulheres que são
vítimas de tais comportamentos sequer fazem ideia de que o Estado encontra-se presente
e pronto para defendê-las de tais situações.
Em relação à violência sexual, o que
mais chama atenção é a diversidade de condutas passíveis de tipificação na lei.
Houve uma desmistificação do estupro no contexto conjugal (e em todo tipo de
relacionamento afetivo), pois principalmente em casais mais antigos, é comum o
pensamento de que a mulher encontra-se submissa ao homem e tenha a obrigação de
satisfazer seus desejos, mesmo que seja contra sua vontade. Por óbvio, esse
conceito encontra-se totalmente ultrapassado e a definição de violência sexual
também recebe uma abrangência maior, indo além de atos libidinosos, englobando
por exemplo o impedimento de uso métodos contraceptivos, obrigando-a a
engravidar ou a abortar. Todo e qualquer ato contra a vontade da mulher, seja
esposa, namorada, companheira ou ficante pode ser enquadrado como violência
sexual pela presente lei em estudo.
Por sua vez, a violência patrimonial
indica não somente o dano causado aos objetos ou documentos de propriedade da
mulher, contudo se estende também em relação a um controle forçado de sua vida
financeira, impedindo por exemplo que ela tenha acesso ao seu salário, ou se apropriando
dele para fazer qualquer tipo de chantagem.
Por último e não menos importante, a agressão
física é o motivo mais recorrente dos casos em andamento no judiciário, pois é
a forma mais explícita e talvez até mais grave pela qual a violência domestica
e familiar se externaliza. ¹Apesar de a violência doméstica ter várias faces e
especificidades, a psicóloga norte-americana Lenore Walker identificou que as
agressões cometidas em um contexto conjugal ocorrem dentro de um ciclo que é
constantemente repetido:
·
AUMENTO DA TENSÃO
Nesse primeiro momento, o agressor
mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos
de raiva. Ele também humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos.
A mulher tenta acalmar o agressor,
fica aflita e evita qualquer conduta que possa “provocá-lo”. As sensações são
muitas: tristeza, angústia, ansiedade, medo e desilusão são apenas algumas.
Em geral, a vítima tende a negar
que isso está acontecendo com ela, esconde os fatos das demais pessoas e,
muitas vezes, acha que fez algo de errado para justificar o comportamento
violento do agressor ou que “ele teve um dia ruim no trabalho”, por exemplo.
Essa tensão pode durar dias ou anos, mas como ela aumenta cada vez mais, é
muito provável que a situação levará à Fase 2
·
ATO DE VIOLÊNCIA
Esta fase corresponde à explosão do
agressor, ou seja, a falta de controle chega ao limite e leva ao ato violento.
Aqui, toda a tensão acumulada na Fase 1 se materializa em violência verbal,
física, psicológica, moral ou patrimonial.
Mesmo tendo consciência de que o
agressor está fora de controle e tem um poder destrutivo grande em relação à
sua vida, o sentimento da mulher é de paralisia e impossibilidade de reação.
Aqui, ela sofre de uma tensão psicológica severa (insônia, perda de peso,
fadiga constante, ansiedade) e sente medo, ódio, solidão, pena de si mesma,
vergonha, confusão e dor.
Nesse momento, ela também pode
tomar decisões − as mais comuns são: buscar ajuda, denunciar, esconder-se na
casa de amigos e parentes, pedir a separação e até mesmo suicidar-se.
Geralmente, há um distanciamento do agressor.
·
ARREPENDIMENTO E COMPORTAMENTO CARINHOSO
Também conhecida como “lua de mel”,
esta fase se caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se torna amável
para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e pressionada a
manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem
filhos. Em outras palavras: ela abre mão de seus direitos e recursos, enquanto
ele diz que “vai mudar”.
Há um período relativamente calmo, em
que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as mudanças de atitude,
lembrando também os momentos bons que tiveram juntos. Como há a demonstração de
remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de
dependência entre vítima e agressor.
Um misto de medo, confusão, culpa e
ilusão fazem parte dos sentimentos da mulher. Por fim, a tensão volta e, com
ela, as agressões da Fase 1.
Infelizmente, muitos casais vivem
este ciclo repetidamente e durante meses e anos a mulher tenta se convencer de
que estas atitudes não irão mais acontecer. Porém como vemos constantemente nos
noticiários, este ciclo normalmente termina com a morte da vítima. O medo de represália faz a mulher se silenciar
e isso dá força ao agressor e aumenta a sensação de impunidade.
Em regra, a lei Maria da Penha não se
aplica ao homem, cujo figurando como vítima num contexto familiar, dispõe do Código
Penal para defesa de seus direitos. Porém, no ²RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 27.622 - RJ (2010/0021048-3), a 5º turma do STJ ao julgar o recurso em HC de um
filho que teria ferido o pai ao empurrá-lo, entendeu que não é correto
afirmar que a pena mais grave atribuída ao delito de lesões corporais, quando
praticado no âmbito das relações domésticas, seja aplicável apenas nos casos em
que a vítima é mulher, pelo simples fato de essa alteração ter-se dado
pela lei 11.340/06 (lei Maria da Penha).
Manoel Dos Anjos
(21) 98028-8983
¹https://www.institutomariadapenha.org.br/violencia-domestica/ciclo-da-violencia.html
²https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.2&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=201000210483
³https://www.institutomariadapenha.org.br/violencia-domestica/o-que-e-violencia-domestica.html
Comentários
Postar um comentário