VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR


Vítima de violência doméstica será indenizada em R$ 10 mil por ex ...

         Maria da Penha Maia Fernandes ficou paraplégica após sofrer duas tentativas de homicídio por seu esposo. Suas advogadas esgotaram os recursos jurídicos possíveis para buscar a punição do agressor, e em razão disso o Brasil foi considerado omisso e condenado pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos à criar uma política pública eficaz e diferenciada, para atender casos como o dessa senhora.

A lei nº 11.340/06 mais conhecida como Maria da Penha, está prestes a completar 14 anos e infelizmente não há motivos para comemorações. Apesar de significar um avanço na proteção do gênero feminino, o efeito esperado não foi alcançado, pois a violência contra a mulher no contexto familiar não para de aumentar.

De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Portanto, denota-se que diferentemente do que muitos pensam, a violência contra a mulher vai muito além de uma agressão física. Como forma de enquadrar mais condutas nesta lei, o legislador incluiu de forma genérica ações que se desdobram no dia a dia e são normalizadas de forma errada pela sociedade. O dano psicológico, por exemplo, se encontra atrelado ao dano moral e se manifesta das mais variadas formas: Muitos homens manipulam suas companheiras através de atos classificados como “Gaslighting”, distorcendo fatos e assim criando confusão mental e dúvida sobre a própria sanidade da mulher; Qualquer tipo de cerceamento de liberdade; Ameaças; Ridicularização; Humilhação; Chantagens; Perseguições; Insultos; e etc. Estas atitudes são mais comuns do que imaginamos, tanto durante um relacionamento quanto após o fim dele, e a maior parte das mulheres que são vítimas de tais comportamentos sequer fazem ideia de que o Estado encontra-se presente e pronto para defendê-las de tais situações.

Em relação à violência sexual, o que mais chama atenção é a diversidade de condutas passíveis de tipificação na lei. Houve uma desmistificação do estupro no contexto conjugal (e em todo tipo de relacionamento afetivo), pois principalmente em casais mais antigos, é comum o pensamento de que a mulher encontra-se submissa ao homem e tenha a obrigação de satisfazer seus desejos, mesmo que seja contra sua vontade. Por óbvio, esse conceito encontra-se totalmente ultrapassado e a definição de violência sexual também recebe uma abrangência maior, indo além de atos libidinosos, englobando por exemplo o impedimento de uso métodos contraceptivos, obrigando-a a engravidar ou a abortar. Todo e qualquer ato contra a vontade da mulher, seja esposa, namorada, companheira ou ficante pode ser enquadrado como violência sexual pela presente lei em estudo.

Por sua vez, a violência patrimonial indica não somente o dano causado aos objetos ou documentos de propriedade da mulher, contudo se estende também em relação a um controle forçado de sua vida financeira, impedindo por exemplo que ela tenha acesso ao seu salário, ou se apropriando dele para fazer qualquer tipo de chantagem.

Por último e não menos importante, a agressão física é o motivo mais recorrente dos casos em andamento no judiciário, pois é a forma mais explícita e talvez até mais grave pela qual a violência domestica e familiar se externaliza. ¹Apesar de a violência doméstica ter várias faces e especificidades, a psicóloga norte-americana Lenore Walker identificou que as agressões cometidas em um contexto conjugal ocorrem dentro de um ciclo que é constantemente repetido:

 

·         AUMENTO DA TENSÃO

Nesse primeiro momento, o agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos de raiva. Ele também humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos.

       A mulher tenta acalmar o agressor, fica aflita e evita qualquer conduta que possa “provocá-lo”. As sensações são muitas: tristeza, angústia, ansiedade, medo e desilusão são apenas algumas.

       Em geral, a vítima tende a negar que isso está acontecendo com ela, esconde os fatos das demais pessoas e, muitas vezes, acha que fez algo de errado para justificar o comportamento violento do agressor ou que “ele teve um dia ruim no trabalho”, por exemplo. Essa tensão pode durar dias ou anos, mas como ela aumenta cada vez mais, é muito provável que a situação levará à Fase 2

 

·         ATO DE VIOLÊNCIA

Esta fase corresponde à explosão do agressor, ou seja, a falta de controle chega ao limite e leva ao ato violento. Aqui, toda a tensão acumulada na Fase 1 se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial.

        Mesmo tendo consciência de que o agressor está fora de controle e tem um poder destrutivo grande em relação à sua vida, o sentimento da mulher é de paralisia e impossibilidade de reação. Aqui, ela sofre de uma tensão psicológica severa (insônia, perda de peso, fadiga constante, ansiedade) e sente medo, ódio, solidão, pena de si mesma, vergonha, confusão e dor.

        Nesse momento, ela também pode tomar decisões − as mais comuns são: buscar ajuda, denunciar, esconder-se na casa de amigos e parentes, pedir a separação e até mesmo suicidar-se. Geralmente, há um distanciamento do agressor.

 

·         ARREPENDIMENTO E COMPORTAMENTO CARINHOSO

   Também conhecida como “lua de mel”, esta fase se caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos. Em outras palavras: ela abre mão de seus direitos e recursos, enquanto ele diz que “vai mudar”.

    Há um período relativamente calmo, em que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as mudanças de atitude, lembrando também os momentos bons que tiveram juntos. Como há a demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de dependência entre vítima e agressor.

   Um misto de medo, confusão, culpa e ilusão fazem parte dos sentimentos da mulher. Por fim, a tensão volta e, com ela, as agressões da Fase 1.

   Infelizmente, muitos casais vivem este ciclo repetidamente e durante meses e anos a mulher tenta se convencer de que estas atitudes não irão mais acontecer. Porém como vemos constantemente nos noticiários, este ciclo normalmente termina com a morte da vítima.  O medo de represália faz a mulher se silenciar e isso dá força ao agressor e aumenta a sensação de impunidade.

      Em regra, a lei Maria da Penha não se aplica ao homem, cujo figurando como vítima num contexto familiar, dispõe do Código Penal para defesa de seus direitos. Porém, no ²RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 27.622 - RJ (2010/0021048-3), a 5º turma do STJ ao julgar o recurso em HC de um filho que teria ferido o pai ao empurrá-lo, entendeu que não é correto afirmar que a pena mais grave atribuída ao delito de lesões corporais, quando praticado no âmbito das relações domésticas, seja aplicável apenas nos casos em que a vítima é mulher, pelo simples fato de essa alteração ter-se dado pela lei 11.340/06 (lei Maria da Penha). 

   
    Em decisão unânime, os ministros consideraram que, embora a lei tenha sido editada com o objetivo de coibir com mais rigor a violência contra a mulher no âmbito doméstico, o acréscimo de pena introduzido no parágrafo 9º do artigo 129 do CP pode perfeitamente ser aplicado em casos nos quais a vítima de agressão seja homem. 

    É notório também o entendimento de que a Lei Maria da Penha busca proteger o gênero feminino, o qual permite a identificação que não guarda como condição o sexo definido no nascimento. Isso significa que a Lei pode ser aplicada no contexto doméstico e familiar quando se tratar de relações homoafetivas e até mesmo em relação à mulheres transexuais. Além disso, não se exige coabitação no momento das condutas, bastando apenas a existência de vínculo afetivo entre as partes. 

    A violência contra a mulher encontra-se enraizada numa sociedade patriarcal e machista, que deve ser moldada constantemente para desconstruir conceitos vagos de inferioridade e submissão. Saibam que não estão sozinhas e não devem se calar! É nosso dever como cidadão apoiar e encorajar a mulher para sair do status de vítima e recuperar sua liberdade e dignidade! 

    ³As mulheres devem procurar, em primeiro lugar, um Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRM) em sua cidade. Lá elas podem buscar orientações para entender melhor a situação pela qual estão passando, obter informações sobre a Lei Maria da Penha e de como romper o ciclo da violência. Dessa forma, as mulheres vão se empoderar e decidir o melhor momento de fazer a denúncia. 


    Nos locais em que não existe esse equipamento, é possível acionar o Ligue 180, um serviço disponibilizado pelo Governo Federal, que funciona 24 horas por dia durante todos os dias da semana. Por meio desse canal, a mulher pode saber onde existe um Centro de Referência de Atendimento à Mulher ou uma Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), bem como conseguir outras informações que precisar. É possível também dirigir-se diretamente a uma DEAM, sobretudo se a mulher estiver sob ameaça ou sofrendo violência física.

    Todos esses passos são muito importantes para quem é vítima da violência de gênero. E quando a mulher revela as agressões que sofre, ela dá um passo importante para quebrar o ciclo. Essa atitude, muitas vezes difícil, ajuda a diminuir o seu isolamento e solidão; por isso, deve ser apoiada e incentivada. O primeiro passo para o acolhimento da mulher em situação de violência é dar crédito aos seus relatos. Mensagens positivas e palavras de apoio vão dar segurança e melhorar a autoestima da vítima, podendo ser preciosas para encorajá-la a sair dessa situação: “Você não está sozinha”, “Eu me preocupo com você e, juntas, vamos buscar a sua segurança e bem-estar”, “Eu acredito em você”, “A sua vida é importante para nós”, “Nenhuma a menos”, “O que você deseja fazer? Como posso te ajudar?”. Estamos aqui para vocês!    

Manoel Dos Anjos

(21) 98028-8983

 

 

¹https://www.institutomariadapenha.org.br/violencia-domestica/ciclo-da-violencia.html

²https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.2&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=201000210483

³https://www.institutomariadapenha.org.br/violencia-domestica/o-que-e-violencia-domestica.html


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