A mediação como método adequado de tratamento de conflitos no direito de família.



    O conflito é uma situação inerente à vida em sociedade que pode surgir diante de divergências de valor, pensamento ou interesse de indivíduos diversos. É natural nos depararmos com situações conflitantes no nosso cotidiano, e muitas vezes estas não ocasionam em grandes confrontos e desdobramentos, sendo as partes capazes de resolver a controvérsia entre si.

    No entanto, existem situações nas quais o conflito toma maiores proporções e as partes, sozinhas, já não conseguem alcançar uma solução, fazendo-se necessária a intervenção de terceiros para a resolução da contenda. Nestes casos é muito comum que a primeira via buscada pelas partes seja a judicial, por ser mais conhecida, entretanto, nem sempre o processo judicial será o método mais adequado para tratar o conflito existente, razão pela qual nossa legislação reconhece e incentiva a utilização de métodos diversos como a negociação, arbitragem, conciliação e mediação, sendo a última o foco do presente artigo.

    Em conflitos relativos ao direito de família é muito comum haver uma animosidade entre as partes, por se tratar de um momento delicado no qual naturalmente estão envolvidos diversos sentimentos como culpa, mágoa, raiva, tristeza, decepção, restando prejudicada a sua comunicação. Muitas vezes o confronto está mais relacionado ao ressentimento, do que ao objeto do conflito em si. Neste quadro, é necessário observar que uma ação judicial pode acabar por intensificar esse ressentimento, criando um ambiente propenso a mais litígios. Note-se que a existência de um processo judicial por si só já causa grande desconforto, levando as partes a adotarem uma postura defensiva ao invés de colaborativa. 

    Em contrapartida a utilização de outros métodos de tratamento de conflito mais adequados, como a mediação, além de normalmente serem mais céleres e menos custosos, podem evitar o agravamento do confronto e do desgaste da relação entre os envolvidos, e auxiliar no resgate do diálogo entre eles, de modo que, não apenas facilitará a resolução daquele conflito específico, mas também criará uma situação favorável para que esses indivíduos consigam gerir melhor eventuais controvérsias que venham a surgir posteriormente, fator que ganha ainda mais relevância diante da existência de filhos comuns do casal.

    É evidente que nem todos os casos serão passíveis de resolução consensual, afinal, nem sempre será possível alcançar um acordo que satisfaça a todos, assim, é importante ressaltar que a busca por um método diverso de tratamento de conflitos não obriga as partes a alcançarem uma composição, nem tampouco anula a possibilidade de ingressarem posteriormente com um processo judicial caso esta composição não seja alcançada, mas se trata de uma oportunidade das partes solucionarem a situação sem precisar passar por um longo e desgastante processo judicial.

    Cabe ainda destacar que a existência de processo judicial também não impede que as partes busquem meios de autocomposição, pelo contrário, o Próprio Código de Processo Civil reconhece e destaca que, nas ações relativas ao direito de família devem ser empreendidos todos os esforços para a solução consensual da controvérsia, determinando, inclusive, que seja realizada audiência de Mediação e Conciliação em processos judiciais, logo após o recebimento da petição inicial. O Código de Processo Civil permite ainda a suspensão do processo, a requerimento das partes, quando estas decidirem buscar a mediação ou atendimento multidisciplinar (artigos 694 e 695 do Código de Processo Civil).

    Esclarecidos os pontos acima, passo agora a tratar diretamente sobre a mediação. Afinal, o que é mediação?

    A Lei de nº 13.140/2015 define em seu artigo 1º, parágrafo único, que mediação é uma “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”. 

    Em outras palavras, a mediação é um método de tratamento de conflitos no qual as partes envolvidas assumem um papel de protagonismo na busca por soluções para a resolução da controvérsia, contando com o auxílio de um profissional capacitado (Mediador) que irá conduzir o procedimento de comunicação entre os mediados, ajudando-os a identificar os pontos de conflito e sua origem, e estimulando-os a buscar soluções na base no consenso e do diálogo.

    A mediação é multidisciplinar podendo o mediador contar com a assistência de profissionais de outras áreas, como psicólogos, assistentes sociais, especialistas em contabilidade, ou até mesmo de outros mediadores, a depender da complexidade do conflito. 

    Este procedimento pode ser extrajudicial (quando diretamente procurado pelas partes), ou judicial (quando determinado por ordem de um juiz em processo judicial), sendo certo que, no primeiro caso, o mediador é escolhido pelas próprias partes envolvidas no conflito, enquanto no segundo já não se fala em escolha ou aceitação das partes.

    São princípios que orientam a mediação:

    A imparcialidade do mediador: O mediador precisa atuar de forma neutra, imparcial, não podendo favorecer uma das partes em detrimento da outra, nem possuir interesse no objeto da demanda, sob risco de comprometer a mediação.

    A isonomia entre as partes: As partes devem ser tratadas com igualdade, devendo lhes ser conferida igual oportunidade de participação.

    A oralidade: Diferentemente do que ocorre em um processo judicial onde a comunicação com o juiz se dá através de petições elaboradas pelos advogados, na mediação é essencial que as partes envolvidas falem por si mesmas, lhes sendo concedido um espaço de amplo diálogo, uma vez que o objetivo é justamente restaurar a comunicação entre eles, tornando possível o trabalho em conjunto para solucionar o conflito. 

    O mediador, diferente de um juiz, não possui a função de julgar os fatos que lhe são trazidos, mas sim de ouvir e de conduzir a conversação, promovendo um diálogo respeitoso entre os mediados, através do qual possam ser identificados não apenas o objeto da divergência em si, mas também a sua causa, para que se possa trabalhar diretamente na raiz do conflito (que como dito, muitas vezes possui natureza emocional), propiciando uma maior harmonia entre as partes.

    A informalidade: Em que pese a seriedade do ato e a existência de normas, princípios e técnicas a serem seguidos na mediação, este é considerado um procedimento informal, uma vez que não se submete a um rigor procedimental estrito como ocorre em um processo judicial, a fim de permitir que o mediador tenha liberdade para atuar de acordo com a complexidade do conflito tratado e as necessidades e disponibilidade dos mediados. 

    A autonomia da vontade das partes: A mediação somente pode ocorrer com o consentimento das partes, que podem deixar o procedimento a qualquer tempo e não podem ser coagidos a realizar a mediação. 

    Cabe ressalvar que, no caso dos processos judiciais relativos ao direito de família, o Código de Processo Civil em seu artigo 695 determina que após o recebimento da petição inicial será determinada a realização de audiência de Mediação e Conciliação. Neste caso, é indispensável a presença das partes na referida audiência, sob pena de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, contudo as partes não serão obrigadas a transigir ou a seguir com a mediação se não tiverem interesse.

    A busca do consenso: O mediador, diferentemente de um juiz, não irá proferir uma decisão definindo o resultado da mediação, nem pode tentar coagir as partes a elaborarem um acordo. O conflito deve ser solucionado através de um consenso alcançado pelas partes. Não sendo possível a autocomposição assistida, estes deverão buscar outras vias para resolução do conflito, como a via judicial.

    A confidencialidade: A fim de criar um ambiente de confiança no qual as partes possam se sentir à vontade para dialogar, as informações, os documentos e as propostas apresentadas na mediação são protegidas pela confidencialidade e não poderão ser utilizadas posteriormente em eventual processo judicial, salvo se houver expressa autorização legal ou das partes.

    A boa-fé: A boa-fé dos mediados é essencial para a efetividade da mediação. Os mediados devem agir com lealdade e honestidade, inspirando a confiança necessária para que se possa alcançar um consenso entre os interessados.

    Princípio da decisão informada: A fim de se evitar o comprometimento da vontade das partes, faz-se necessário que estas tenham total ciência de seus direitos e deveres durante a mediação bem como das implicações jurídicas de suas decisões, de modo que seus atos sejam realizados de forma livre e consciente, expressando a sua real vontade. 

    Cabe informar que na mediação judicial, as partes devem ser acompanhadas por seus advogados, que as auxiliarão prestando orientações jurídicas e esclarecimentos pertinentes ao caso. Na mediação extrajudicial a presença de advogado ou defensor público é opcional, sendo certo que o art. 10º, parágrafo único prevê que se uma das partes comparecer acompanhada de advogado ou defensor público o mediador deverá suspender a sessão até que ambas as partes estejam devidamente assistidas. 

    É primordial que o mediador transmita para os mediados as informações necessárias a respeito da mediação e seus princípios ainda no início da primeira sessão, após o que se iniciará a fase de conversação, onde os envolvidos poderão expor sua posição em relação ao conflito e falar sobre as questões que envolvem a desavença.

    Nesta fase o mediador utilizará técnicas para direcionar o diálogo de modo que se possa identificar as reais controvérsias e barreiras existentes em cada caso. Para tanto, o mediador pode apresentar indagações, solicitar novas informações, sugerir a realização de outras sessões para oitiva conjunta ou separada das partes, convidar terceiros relacionadas ao conflito para se pronunciarem, sugerir o envolvimento de outros profissionais (como psicólogos e assistentes sociais), e adotar demais medidas que entender necessárias para a melhor compreensão e resolução da controvérsia. 

    Identificados os pontos de conflito que serão tratados na mediação e definidas a pauta de trabalho e a ordem das questões a serem debatidas (Por exemplo: Guarda e convivência de filhos menores, e a divisão dos bens do casal) os envolvidos são incentivados a apresentar ideias e propostas para solucionar as controvérsias. O mediador irá auxiliar os mediados na análise da viabilidade das sugestões apresentadas a fim de que estes possam chegar a um consenso acerca das opções que melhor satisfazem seus interesses (Observa-se que não há um lado vencedor e um perdedor, ambos acabam ganhando quando encontram uma solução em conjunto).

    Ao final os mediados podem ou não optar por realizar um acordo, sendo certo que a composição realizada pelas partes pode ser parcial, não sendo necessário que estas entrem em consenso acerca de todos os pontos discutidos na mediação. Por exemplo, um casal que conseguiu, através da mediação, chegar a um consenso a respeito da guarda e convivência dos filhos, mas não alcançou uma solução consensual em relação à divisão dos bens. Estes poderão realizar um acordo que somente compreenda os pontos de concordância, e buscar a via judicial para discutir os aspectos que permanecem em conflito.

    Pode-se concluir que a mediação é um procedimento que possui um alcance mais abrangente, que tem como objetivo não apenas a solução imediata da divergência que se apresenta, mas principalmente o resgate das relações sociais e do canal de diálogo entre aqueles que se encontram em conflito, razão pela qual se trata de um procedimento mais humanizado, que se preocupa em tratar todos os aspectos da desavença.

    Esse olhar aprofundado sobre o conflito somado ao resgate da comunicação permite que a mediação seja, em muitos casos, mais benéfica, uma vez que proporciona aos mediados ferramentas necessárias para que possam solucionar de forma harmoniosa eventuais divergências que venham a surgir no futuro.

    Por outro lado um processo judicial pode acabar por intensificar os confrontos e gerar uma sequência infindável de litígios, movidos por uma série de sentimentos e mágoas que não foram tratados de maneira devida. 

    A mediação ganha especial destaque quando as partes possuem filhos menores, visto que precisarão manter algum grau de convivência (ainda que mínimo), sendo extremamente importante para o desenvolvimento da criança e/ou do adolescente que os pais, ainda que divorciados, consigam manter uma relação saudável e harmônica.

    Reitero que nem sempre será possível a resolução consensual do conflito, existem casos nos quais a via judicial se faz necessária. No entanto, considerando os benefícios que podem ser alcançados, e a ausência de prejuízo (uma vez que as partes não ficam impedidas de ingressar com um processo judicial caso não seja possível o acordo), entendo que a mediação merece destaque como método adequado de tratamento de conflitos no direito de família, devendo ser considerada diante de controvérsias desta natureza.

    Ressalto, por fim, o importante papel que exerce o advogado na construção de uma cultura mais colaborativa e menos beligerante, tanto na via judicial quanto na extrajudicial, devendo prezar sempre pela ética, pelo respeito e pela lealdade.

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