ANIMAIS EM CONDOMÍNIO: AFINAL, É PROIBIDO PROIBIR?


Fui apresentado no Instagram deste blog como advogado, atualmente também estou membro da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da OAB/RJ (2019/2021) e, desde 2017, sou voluntário na ONG @4Patinhas (facebook). E é por estar ativamente participando da causa animal e pela minha profissão que ouço algumas perguntas referentes aos animais em condomínio, perguntas estas que tentarei responder na nossa coluna deste mês.

No direito há um fenômeno curioso onde todas as respostas são dadas com a mesma expressão, provavelmente ao consultar uma advogada ela já te respondeu com: “Então, depende!”. Sei que pode parecer frustrante uma resposta desta, mas isso se dá ao fato de que no Brasil as leis são generalistas visando atender ao maior número de situações possíveis, por isso em cada caso é preciso ser analisado as suas particularidades.

E é por isso, e também por uma questão de ética profissional, que não poderei dar respostas fechadas (sim ou não) ou, ainda, aplicável a cem por cento dos casos, mas tenho por objetivo abordar o tema de forma que os nossos leitores possam perceber se o direito de seus animais está sendo violado, consultando tão logo uma advogada para efetivação destes direitos.

1 – O CONDOMÍNIO PODE ME PROIBIR DE TER ANIMAIS NO MEU APARTAMENTO?

Em regra, o condomínio não pode proibir o condômino de possuir animais em seu apartamento. Aplica-se a regra do artigo 1.335 do código civil, onde há expressa previsão de que ao condômino é garantido o direito de usar, fruir e dispor da sua unidade de forma livre.

Porém, já ouvi muito a seguinte frase: “Ah, mas a convenção do meu condomínio diz que é proibido aos condôminos possuírem animais de quaisquer espécie ou porte”. O que acontece é que muitos dos condomínios foram constituídos, ou seja, tiveram as suas convenções estabelecidas há muitos anos, antes mesmo da existência do código civil que é de 2002.

A convenção do condomínio é ato essencial a sua existência sendo, inclusive, o documento legal que constitui entre as partes lei, ou seja, para cada condômino o que estiver previsto em cláusula condominial (aqui observado os limites legais) é lei.

Porém, no nosso ordenamento jurídico há uma hierarquia (pirâmide de Kelsen) entre as leis. A convenção do condomínio ainda que seja a lei entre os condôminos está abaixo do código civil (lei federal), não podendo ter cláusulas que contrariem os artigos lá contidos.

Então, o código civil garante ao proprietário que ele pode usar do apartamento da forma que julgar melhor, incluindo neste julgamento o direito a possuir animais.

Além de ser uma disposição legal, o STJ em julgamento recente (2019) adotou o entendimento de que o condomínio não pode proibir genericamente a presença dos animais, adotando para tanto o disposto no artigo do código já citado e os que seguirão. Você pode ler a matéria do próprio STJ clicando aqui

2 – O CONDOMÍNIO PODE PROIBIR ALGUMAS ESPÉCIES, RAÇAS E PORTES DE ANIMAIS?

Em regra, a convenção do condomínio também não poderá proibir, restringir ou limitar quais animais (raça e/ou espécie) ou tamanho destes animais (porte) poderão os condôminos possuir. Porém, aqui se aplica a regra do artigo 1.336, IV do código civil. Este artigo determina que é dever do condômino observar o sossego, a salubridade e a segurança dos demais condôminos.

Isto quer dizer que apesar da convenção não proibir animais, seja de que raça, espécie ou tamanho forem, aquele que os possuir deve observar os limites do seu direito, ou seja, a presença do animal não poderá interferir no sossego, na salubridade (zoonoses ou infestações, por exemplo) ou segurança dos outros moradores.

É neste momento que a resposta: “então, depende!” é aplicada, pois os conceitos acima, principalmente o do sossego, são muito subjetivos, devendo-se sempre observar as peculiaridades de cada caso concreto.

3 – O CONDOMÍNIO PODE DETERMINAR A QUANTIDADE MÁXIMA DE ANIMAIS EM UM APARTAMENTO?

Em regra, a convenção condominial também não poderá limitar a quantidade de animais que uma determinada pessoa pode vir a possuir em sua unidade residencial.

Aqui também se aplica a mesma resposta da questão anterior, a soma das previsões dos artigos 1.335 (direito de usar e fruir do jeito que julgar melhor), com a regra do 1.336, IV, respeitando o direito dos outros moradores ao sossego, salubridade e segurança.

Isto significa dizer que não importa para o direito se você tem 1 ou 10 cães, se você tem um cavalo e um gato, o que deve se perceber é se a soma de todos esses animais está ou não interferindo no direito dos outros condôminos em não serem incomodados, não serem contaminados por doenças ou zoonoses, e não terem a sua segurança prejudicada.

4 – O CONDOMÍNIO PODE PROIBIR A CIRCULAÇÃO DOS ANIMAIS NAS ÁREAS COMUNS DO PRÉDIO OU DETERMINAR REGRAS DE TRÂNSITO DESTES ANIMAIS?

Em primeiro lugar, para que fique claro, deve-se lembrar que sim, o condomínio poderá em qualquer hipótese proibir a circulação dos animais nas áreas comum, se estiverem desacompanhados da supervisão de um ser humano. Portanto, o que se reponde a seguir é se há a possibilidade de proibição da circulação dos animais acompanhados de seus donos.

Nestes casos, aplica-se a regra do artigo 1.335, II do código civil, que prevê o direito ao livre acesso a área comum aos moradores, desde que não frustrem a livre utilização dos outros condôminos.

Em regra, as áreas comuns dos condomínios são franqueadas a todos os condôminos, não podendo o condomínio impor qualquer tipo de restrição a este acesso, salvo restrições de horários ou de número de pessoas por vez (salão de festas, por exemplo) com o objetivo de resguardar a incolumidade do patrimônio predial.

Ocorre que, em alguns casos, o condomínio poderá estabelecer restrições de acesso aos animais em determinadas áreas comuns do prédio. É o caso, por exemplo, de uma área comum que seja frequentada por crianças em ambiente fechado, para evitar o risco a saúde (por qualquer eventual alergia) o condomínio poderá vedar o acesso dos animais.

Algumas áreas comuns de prédio são usuais na maioria das construções, por isso gostaria de destacar algumas dessas áreas e responder a algumas especificidades:

4.1 – O CONDOMÍNIO PODE PROIBIR O USO DOS ELEVADORES AOS QUE ESTÃO TRANSITANDO COM ANIMAIS?

Os elevadores são benefícios da vida moderna, facilitam o acesso dos condôminos as suas unidades. Deve-se ter em mente que o direito de acesso ao morador à sua unidade sempre será garantido de forma livre e desembaraçada, isento de qualquer obstáculos e utilizando todos os meios de facilitação de acesso postos à disposição dos moradores.

Alguns prédios possuem dois ou mais elevadores, e parte deles usualmente é destinada ao que se conhece por elevador de serviço. Neste caso, onde há mais de um elevador, sendo um reservado exclusivamente à serviço, poderá o condomínio, em cláusula expressamente determinada em sua convenção ou regimento interno, estabelecer que os moradores na companhia de seus animais utilizem o elevador reservado a esta função.

De outro modo, existindo apenas um único elevador a serviço de todos os moradores, não poderá a convenção estabelecer cláusula que proíba o seu uso. Porém, aqui vale ressaltar uma regra de urbanidade em que se um morador não quiser dividir naquele momento espaço com o seu animal no mesmo elevador, por qualquer motivo que seja, é de bom tom que se respeite essa vontade.

4.2 – O CONDOMÍNIO PODE IMPOR REGRAS PARA A CIRCULAÇÃO DOS ANIMAIS NO CONDOMÍNIO?

Sim, o condomínio poderá impor algumas condições para o animal circular. A primeira delas é que o animal sempre esteja acompanhado da supervisão de um ser humano e nunca circule sozinho pelas dependências do prédio.

A segunda regra, usualmente imposta, é de que o animal esteja em dia com as suas vacinas (aliás, aqui vale lembrar que é um dever moral e prova de amor e cuidado com seu animal estar com sua vacinação em dia), esteja utilizando coleira e guia e, ainda, caso haja estipulação expressa, que o animal somente seja conduzido por maiores de 18 anos.

Algumas raças (pitbull, rottweiler, doberman) por determinação legal (aqui no estado do Rio de Janeiro pela lei estadual 4.597/05) são obrigados a circularem somente conduzidos por maiores de 18 anos e, além do uso da guia e coleira, o uso de enforcador e focinheira. Apesar de ser absurda, e futuramente tema de uma coluna, ela se aplica somente as raças lá previstas, não podendo o condomínio estender as exigências lá previstas as outras raças.

4.3 – O CONDOMÍNIO PODE PROIBIR A CIRCULAÇÃO DOS ANIMAIS EM HALL DE ENTRADA, HALL DO ELEVADOR, CORREDORES DOS ANDARES E DEMAIS ÁREAS DE LAZER DO PRÉDIO?

Primeiramente devemos lembrar da resposta ao item 4. Porém, é importante fazer aqui uma distinção entre circulação e permanência. Circulação é a utilização das áreas comuns do prédio como meio de acesso à rua ou as unidades individuais de cada morador. Permanência, como o próprio nome implica, é a presença, por tempo indeterminado, do morador na área comum do prédio.

O acesso à rua ou a unidade individual, quando somente houve um único caminho, será feito utilizando todos os recursos (hall’s, corredores, elevadores, rampas de acesso) à disposição de todos os moradores. Este direito de circulação não poderá, ainda que expresso na convenção condominial ou seu regimento interno, ser negado, restringido ou dificultado, ainda que o condômino esteja na companhia do seu animal.

Em havendo mais de caminho de acesso à rua ou a unidade residencial o condomínio, assim como no caso dos elevadores, poderá, prevista expressamente em cláusula condominial ou regimento interno, destinar uma delas a ser utilizada pelos moradores quando acompanhados de seus animais.

Porém, cabe aqui destacar, que esta divisão de acessos somente poderá ser feita dentro dos limites da razoabilidade. A título de exemplo, o condomínio não pode exigir que o morador trafegue por área descoberta em dias chuvosos, ou por distâncias que se estendam para além da normalidade entre a rua e a unidade, áreas com obras etc.

Já a permanência, por outro lado, poderá ser restringida, devendo ser analisado caso a caso. O salão de festas, a piscina do prédio, o playground, sala de jogos, por exemplo, até mesmo o hall de entrada, poderão ter a permanência de animais restringidas ou proibidas, desde que esta proibição conste expressamente na convenção do condomínio ou em seu regimento interno.

5 – MEU APARTAMENTO É ALUGADO, O CONDOMÍNIO PODE ME PROIBIR DE TER ANIMAIS?

Aqui aplica-se a regra que determina que o possuidor, (neste caso o locatário) é aquele que exerce algum dos poderes inerentes à propriedade (artigo 1.196 código civil). Portanto, dentre estes direitos é aplicável o disposto no artigo 1.335 do código civil, ou seja, o mesmo direito e as suas limitações do artigo 1.336, assegurado ao condômino proprietário ao locatário.

Portanto, na relação locatário x condomínio, todas as respostas dadas aos itens anteriores se aplicam de igual modo, não podendo o condomínio restringir, proibir ou limitar àquele que alugou uma unidade residencial o direito de possuir animal.

Uma única observação que deve ser feita é de que o proprietário, ou seja, o dono do imóvel poderá, quando da elaboração do contrato de aluguel, determinar que o locatário não poderá ingressar no imóvel locado com animais de qualquer espécie, raça ou porte.  

6 – COMO DEVE PROCEDER O CONDOMÍNIO QUANDO AUTORIZADO A PROIBIR, LIMITAR OU RESTRINGIR O DIREITO DE CIRCULAÇÃO E/OU PERMANÊNCIA DOS ANIMAIS?

Dentro da já citada pirâmide de Kelsen a constituição de 1988 é a lei maior, lei das leis, estando acima de todas as outras e, ainda, devendo por todas ser observadas e não contrariada. É nesta constituição que consta o artigo 5º, II o popularmente conhecido: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa senão em virtude da lei”.

Lembre-se que a convenção condominial e o seu regimento interno (quando este existir) é o ato pelo qual se constitui o condomínio e que, como já dito, faz lei entre as partes. Portanto, visto que ninguém deixará de fazer qualquer coisa, senão em virtude de lei, e convenção faz lei entre os moradores, qualquer comportamento a ser proibido, observado os limites legais, deverá constar expressamente em cláusula da convenção condominial ou regimento interno. Se não é proibido é permitido.

Portanto, não poderá o síndico ou qualquer outro morador, simplesmente afixar uma placa de uma hora para a outra, com o intuito de coibir determinado comportamento. Esta regra proibitiva deverá ser votada, nos termos da lei, e regularmente prevista na convenção condominial.

6.1 – EU MORO EM UM CONDOMÍNIO CRIADO ANTES DO CÓDIGO CIVIL (2002) E LÁ CONSTA CLÁUSULA DE PROIBIÇÃO DE TER ANIMAIS NO IMÓVEL, NESTE CASO É POSSÍVEL?

Não, ainda que a cláusula seja constituída antes da vigência do código civil de 2002. Ela passará por um controle de legalidade, ou seja, toda a convenção passará a ser analisada de acordo com o que permite ou proíba o código civil.

Ocorre que, nos casos onde exista a cláusula, ainda que anterior a 2002, que vá contra o que determina o código civil, ela será nula de pleno direito, ou seja, a cláusula não terá validade jurídica nenhuma e não pode ser o seu cumprimento requerido ou imposto à qualquer pessoa.

6.1 – CASO HAJA A PROBIÇÃO EM CLÁUSULA CONDOMINIAL QUE NÃO SEJA NULA, O QUE PODERÁ O CONDOMÍNIO FAZER COM QUEM A DESCUMPRIR?

Em regra, o descumprimento de cláusula condominial por qualquer morador é ato que agride a boa convivência entre todos os condôminos. É por isso que nesses casos é reservado ao condomínio o direito de aplicação de sanção (multa) em desfavor do condômino que infringir as regras.

O §2º do artigo 1.336 do código civil determina a previsão de aplicação de multa no montante não superior a cinco vezes a sua contribuição mensal (cota condominial), ou seja, o condomínio poderá aplicar multa de até 5 vezes o valor do condomínio, observando a natureza da transgressão.

Há também a previsão do artigo 1.337 do código civil, este artigo é aplicável nos casos em que o morador que descumpriu reiteradamente regra condominial, poderá ser multado em até dez vezes o valor do condomínio.

7 – MORO EM UM CONDOMÍNIO E O SÍNDICO ME AVISOU QUE NÃO POSSO TER ANIMAIS EM MINHA UNIDADE, COMO DEVO AGIR?

Aqui é importante destacar algumas questões importantes. A primeira é que vivemos em sociedade e o condomínio é a intensificação desta sociedade, portanto, para a manutenção de um convívio pacífico entre todos, regras de urbanidade e respeito devem sempre ser observadas. O diálogo honesto e respeitoso é sempre o melhor caminho.

Outra questão é que, muitas vezes, o síndico não tem formação jurídica, alguns condomínios não tem orientação de um advogado ou administradora, portanto, talvez seja desconhecido pelo síndico todas as legislações e regras citadas até agora. Por isso, cabe ao morador interpelado e ciente dos seus direitos o diálogo que permite não só permite o seu pleno exercício como, ainda, a boa convivência e harmonia entre todos os moradores.

Porém, se a situação não for resolvida com o diálogo, se houver a insistência para que o animal deixe o imóvel ou, ainda, a aplicação de multa, busque sempre o auxílio de uma advogada, ela sempre terá a disposição a melhor solução para o seu caso. Lembre-se evite provocar a desarmonia ou indisposição com um, alguns ou todos os moradores do prédio, vivemos em sociedade e o exercício do seu direito não pode afetar o direito do outro.

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Este mês o texto foi propositalmente mais extenso que os outros, tentei abarcar a maior quantidade possível de situações que já presenciei ou que me foram relatadas através de dúvidas ou conversa entre amigos. Porém, sei que é impossível abordar todos os casos, até porque cada condomínio e condômino tem milhões de particularidades e especificidades que só podem ser percebidas caso a caso.

Portanto, caso você ainda esteja com dúvida e queira me contar seu caso, deixe aqui nos comentários, prometo responder a todos que nos escreverem e tentarei ajudar da melhor forma possível.

Se gostou do texto, compartilhe com os amigos. Sinta-se à vontade para deixar nos comentários suas críticas e opiniões para que possamos sempre melhorar. Também aceito sugestões de próximos temas sobre o mundo jurídico animal. Mês que vem eu volto com mais sobre o direito animal.

Daniel Leal

Contato: danieldcl.adv@gmail.com

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