DÍVIDA "MORRE" DEPOIS DE 5 ANOS?

 

Esse mês na nossa coluna eu gostaria de esclarecer uma informação que muitas pessoas pensam ser verdade, porém não passa de um mito, uma fake news antiga, que é uma conhecida frase que diz que “sua dívida caduca em 5 anos”. Acontece que essa frase, do ponto de vista jurídico, está completamente equivocada e é sobre isso que trataremos sobre direito do consumidor hoje.

Muitas pessoas acreditam, principalmente porque é uma inverdade repetida tantas vezes que acabou tomando ares de verdade, que depois de 5 anos uma dívida com uma instituição financeira, por exemplo, “morre” e, portanto, não poderá mais ser cobrada.

Porém, juridicamente falando, não é bem assim que as coisas acontecem. Para entender melhor o que vou abordar nesta coluna precisaremos entender dois institutos jurídicos, previstos no código de defesa do consumidor (CDC) e que estão presentes nos artigos 26 e 27 que são, consecutivamente, a decadência e a prescrição.

A decadência pode ser entendida como a extinção de um direito não exercido, ou seja, o CDC prevê duas hipóteses na qual, caso o consumidor não exerça aquele direito, dentro daquele determinado prazo, ele não poderá mais fazê-lo. É o caso da troca, que deverá ser feita em no máximo 30 ou 90 dias a depender do produto que apresentar defeito.

A prescrição, por outro lado, poderá ser entendida como a extinção da pretensão, ou seja, o CDC prevê que caso haja algum dano na relação consumerista, acarretado por ato de qualquer uma das partes, consumidor (artigo 2 CDC) ou fornecedor (artigo 3 CDC), a reparação por eles deverá ser exigida no prazo máximo de 5 anos.

E é sobre as dívidas que nascem de uma relação consumerista que a prescrição se coloca. Porém, quando falamos de prescrição do direito de exigir algo de alguém, estamos falando da prerrogativa de usar o aparato estatal, ou seja, serviços públicos de caráter administrativo ou, ainda, órgãos do poder judiciário.

Para fixar melhor o conceito é conveniente um exemplo. Quando uma determinada pessoa pega emprestado com um banco uma quantia e não faz o pagamento das parcelas do empréstimo, recai sobre esse banco o direito de, coercitivamente, forçar o devedor a quitar seu débito.

Do ponto de vista dos serviços públicos de caráter administrativos temos a possibilidade, por exemplo, do banco se fazer valer dos já conhecidos SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e o Serasa, que são empresas privadas, mas que prestam serviço público, mantendo um cadastro aberto a quem quiser consultar onde consta, a pedido do credor, o CPF e o valor do débito para que outros eventuais futuros credores possam constatar se aquela pessoa é uma boa ou uma má pagadora de suas obrigações.

É importante lembrar que recentemente o Brasil, através do SPC e SERASA, passou a adotar o “score de crédito”, prática usual nos Estados Unidos desde 1941. Trata-se de uma análise estatística, que possibilita  aos credores fazer uma análise, através de um sistema atribuição de pontuação de crédito, do risco em disponibilizar ao seu eventual devedor a quantia por ele pretendida.

É uma prática que chegou a ser discutida no STJ e, ao final, foi entendida como uma prática legal para a análise de concessão de crédito e hoje é largamente utilizada pelos bancos e instituições financeiras. Portanto, para ter acesso mais facilitado a linhas de empréstimo é importante que o consumidor tenha sempre em mente que deverá manter um score razoável.

Já do ponto de vista do poder judiciário temos a possibilidade, por exemplo, do banco se fazer valer do instituto da penhora, ou seja, uma constrição legal no patrimônio do devedor, que garante ao credor o direito de ingressar na conta corrente e diretamente bloquear e transferir de lá os valores suficiente para o adimplemento dos débitos.

Portanto, essas são algumas práticas autorizadas pela lei que, porém, o credor deverá observar o prazo máximo de 5 anos para requerer, tendo esgotado esse prazo, ou seja, incidindo a prescrição, não poderá tomar mais nenhuma dessas medidas adotadas acima, seja inscrever no SPC e SERASA, seja requerer a penhora dos bens do devedor.

Claro que fazendo uma análise superficial, pode parecer que a prescrição não é, mas acaba sendo a mesma coisa que a extinção da dívida, já que o credor não pode mais cobrar ela de forma coercitiva

Acontece que não é bem assim, ele não pode utilizar o aparato estatal, mas pode utilizar meios próprios de cobrança. Afinal, quem nunca recebeu uma ligação inoportuna no meio do dia do DDD 011? Ou ficou por meses recebendo cartas com propostas de acordo para o pagamento de uma dívida.  

Apesar de ser uma prática inconveniente e, dependendo do caso, podendo ser caracterizada como abusiva pelo do horário e frequência das ligações, é absolutamente permitida e legal. Exatamente porque, diferente do que diz o conhecimento popular, nesse prazo de 5 anos a dívida não “morre”.

E caso o consumidor ceda, e como meio de cessar as ligações, resolva quitar seu débito, não poderá dizer que já havia passado 5 anos e, portanto, não deve mais nada e requerer na justiça os valores, pois a divida é eterna até a data do seu pagamento.

É claro que, ainda assim, parece que depois de 5 anos, já que a dívida não pode ser cobrada pelo aparato estatal, e essas cobranças feitas direto pelo credor não são tão eficientes, já que é só não atender e rasgar as cartas recebidas, não há nada que vá de fato fazer o devedor cumprir com sua obrigação. Porém, pode não ser bem assim.

Ocorre que, caso a dívida, dentro do prazo de 5 anos, tenha sido inscrita no SPC ou SERASA, só o que acontece é que depois desse tempo a dívida não pode mais ser consultada publicamente, porém, ela continua lá no cadastro, podendo ser consultada sempre por quem a colocou lá o que, provavelmente irá lhe gerar prejuízos em tentar novos empréstimos com este mesmo credor.

Ainda parece inefetivo, não é? Afinal, é só comparecer a instituição diversa na qual aquela dívida foi estabelecida, já que eles não terão acesso aquele cadastro no SPC ou SERASA.

Nesse caso, o que poucas pessoas sabem é da existência, pelo menos para as dívidas feitas dentro do Sistema Financeiro Nacional (SFN), composto por instituições financeiras, bancos, bolsa de valores, casas de câmbio e outros, do Registrato ou Serviço de Informação de Créditos (SCR).

O Registrato é um serviço do Banco Central do Brasil (instituição de cúpula do Sistema Financeiro Nacional) que nada mais é que um cadastro com todos os vínculos creditícios que qualquer pessoa (física ou jurídica) tenha com as instituições que compõe o SFN.

A lei complementar 105 de 2001 (vulgarmente, “lei do sigilo bancário”) em seu artigo 3º, inciso I, prevê que não constitui violação ao sigilo bancário, a troca de informações entre instituições financeiras. Estas instituições se utilizam do Registrato para trocar entre si informações pertinentes aos clientes que comparecem até elas para solicitação operações de crédito.

É por isso que o SCR ficou conhecido como “lista negra”, pois mesmo que os bancos não possam consultar, depois de 5 anos, a negativação no SPC e SERASA a existência de restrição ao crédito, a dívida, que não “morre” nesse prazo, ainda continuará constando no Registrato e, portanto, pode ser repassada internamente, através de suas centrais de classificação de risco, entre eles, configurando uma lista dos maus pagadores.

Qualquer pessoa, física ou jurídica, pode consultar suas próprias informações que constam no Registrato, através deste link. Lá você poderá conhecer mais sobre este serviço do Banco Central e, inclusive, consultar se há contratos com instituições financeiras que você desconhece e saber mais sobre a sua saúde financeira. 

Portanto, já que a dívida não “morre” depois de 5 anos é que temos que ter cuidado com essa falácia tão espalhada, pois as pessoas acabam acreditando que não devem mais nada e acabam tendo consequências negativas para a sua vida financeira, lhe sendo dificultado o acesso a novas linhas de crédito, parcelamento de compras em alguns estabelecimento e outras restrições.

É por isso que da próxima vez que você ouvir “a dívida caduca depois de 5 anos”, lembre-se que apenas o que se extingue é o direito de se valer do aparato estatal para compelir o devedor a quitar seu débito, porém existem vários outros meios efetivos para fazer a cobrança legalmente.

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Não se esqueça, o CDC não irá lhe ajudar se você não souber que ele existe e não conhecer os seus direitos previstos lá. Então, fique conosco para sempre se manter atualizado e por dentro daquilo que você pode, deve ou não pode na hora de consumir.

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Daniel Leal

Contato: danieldcl.adv@gmail.com

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