Sanção Política para Cobrança de Tributos




Conforme já analisamos em outro artigo o Brasil é um dos países que tem a maior carga tributária no mundo e, ainda assim, é possível constatar que não há recursos suficientes para a manutenção estatal e apoio social, parte disso se dá pela corrupção crescente e parte é justificada pela sonegação fiscal que hoje soma o montante de mais de 433 bilhões de reais por ano.

 As procuradorias têm feito inúmeros esforços no sentido de resgatar os tributos devidos, ainda assim não tem sido suficiente, atribui-se a insatisfação para busca do crédito à própria legislação tributária, pois contém mecanismos que não facilitam a arrecadação eficaz, além disso a morosidade do judiciário é um fator determinante para ineficiência na obtenção dos créditos vencidos.

 Porém, numa tentativa de reverter a ineficiência para obtenção destes créditos, são concebidas medidas duvidosas, por vezes arbitrárias, e que fogem ao parâmetro legal como é o caso da sanção de cunho político que é frequentemente realizada pela administração pública.

 Sanção política é a realização de práticas coercitivas por parte da administração pública com o intuito de forçar o contribuinte a realizar o pagamento do tributo devido, desconsiderando os seus direitos e garantias constitucionalmente previstos.

 Existem alguns meios mais usuais pelas quais a sanção política vem se consubstanciando, esses casos geraram repercussão judicial a ponto serem solucionados pelos tribunais superiores.

        Não muito raro a administração pública se utiliza da apreensão de mercadoria para forçar o contribuinte ao pagamento de tributos devidos decorrentes de fatos geradores que ocorreram em data anterior a apreensão. Acerca deste assunto há entendimento fixado na súmula 323 do Supremo Tribunal Federal; “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”.

 Entretanto, as apreensões continuam a ocorrer e o contribuinte não encontrando alternativa, ingressa com demanda no judiciário para reaver as mercadorias apreendidas.

 Outras duas práticas recorrentes traduzem-se pelo cancelamento da inscrição nos conselhos profissionais e interdição do estabelecimento. A administração pública condiciona a regularização cadastral e a desinterdição do estabelecimento daqueles contribuintes inadimplentes, ao pagamento do tributo.

 A respeito destes atos, além de previsão constitucional trazida nos artigos 5° XII e 170 parágrafo único, que impede a interferência do Estado, intencionando a livre concorrência e livre exercício da atividade econômica, há ainda a súmula 70 do Supremo Tribunal Federal que dispõe: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.”

 Por fim, outro ato recorrente é que alguns municípios se recusam a proceder com a emissão de nota fiscal porque o contribuinte possui dívidas tributárias, porém, o inadimplemento do tributo não pode ser usado como impedimento ao exercício da atividade comercial, tampouco impedimento do despacho de mercadoria na alfândega.

 A súmula 547 do Supremo Tribunal Federal corrobora com este entendimento quando aduz “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”

Outrossim, além dos casos demostrados que foram sedimentados pelas súmulas mencionadas há um consenso por grande parte da doutrina, bem como pela jurisprudência, de que a cobrança do crédito tributário deve seguir os meios estabelecidos em lei que é o que veremos a seguir.

 A lei maior, no artigo 5° incisos LIV e LV, vem assegurar aos indivíduos que não poderá haver restrição da sua liberdade ou dos seus bens sem o devido processo legal, bem como a eles é assegurado o contraditório e a ampla defesa. A administração pública, que tem seus atos vinculados à lei, deve obediência aos princípios mencionados.

No que se refere ao contraditório, o conceituado doutrinador do direito tributário, Hugo de Brito Machado segundo assevera:

 

“(...) os tributos somente podem ser cobrados mediante o devido processo legal, assegurada a ampla defesa e sem ofensa aos direitos fundamentais (…) o contribuinte faltoso deve ser executado, oportunidade na qual poderá embargar e contestar a existência do débito”

 

O sujeito passivo não pode ser compelido ao pagamento do montante supostamente devido sem que se apure a sua legalidade através do devido processo legal e tendo sido assegurado a ampla defesa e o contraditório.

A primeira conduta a ser realizada por parte da administração pública ao fazer a exigência do tributo é iniciar o procedimento administrativo para a prévia constituição do crédito tributário.

Sem a constituição do crédito e a inscrição do valores devidos em dívida ativa, a cobrança do tributo se revela inconstitucional, pois além de não se subordinar aos princípios constitucionais mencionados (5° incisos LIV e LV), desobedece a norma infraconstitucional prevista no artigo 151 III do Código Tributário Nacional, que aduz que a exigibilidade do valor devido fica suspenso durante a discussão, seja administrativa, seja judicial, não cabendo a autoridade coatora examinar a legalidade do tributo.

Por seu turno, tem-se o corrente entendimento que a maneira apropriada para obtenção do crédito tributário, tem previsão na lei 6.830, de 22 de setembro de 1980, a lei de execuções fiscais, a qual o Código de Processo Civil é aplicado subsidiariamente

Sobre a execução fiscal, insta salientar que o informativo 626 do STJ corrobora com a doutrina no seguinte sentido:

 

(...) o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 565.048- RS, DJe 09/10/2014, submetido ao rito da repercussão geral, firmou o entendimento de que o Estado não pode adotar sanções políticas, que se caracterizam pela utilização de meios de coerção indireta que impeçam ou dificultem o exercício da atividade econômica para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos em atraso, estando o ente público vinculado ao procedimento de execução fiscal para a cobrança de seus créditos, (..) sendo, assim, clara a sanção política, não admitida pela Constituição Federal, conforme o decidido pela Suprema Corte, nos autos do citado RE 565.048/RS.(grifos nossos)

 Além do processo de cobrança via execução fiscal, garante-se, ainda, ao fisco, a possibilidade de outra técnica arrecadatória, o protesto de certidão de dívida ativa, que após inúmeras ações, teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Superior Tribunal de Federal, conforme julgado na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.135.

 Por todo exposto, os casos apresentados não refletem todas modalidades de sanções de cunho político, pois na prática podem ocorrer diferentes formas que não se pode prever.

 Inobstante aos casos apresentados, que apresentam o direito do contribuinte, os atos que geram sanção política ainda se perpetuam eis que, as decisões proferidas protegem as garantias dos contribuintes, porém, não impedem novos abusos por parte do fisco, assim a cada novo ato abusivo o contribuinte se vê obrigado a encontrar a efetividade das normas junto ao judiciário, ocasionando a sobrecarga. 

Ademais, a doutrina bem como a jurisprudência rechaçam os atos da fiscalização que visam sujeitar o contribuinte ao adimplemento forçado do montante devido, visando apontar como medida correta para a cobrança do crédito o rito processual da execução fiscal ou ate mesmo a medida extra judicial de protesto da Certidão de Dívida Ativa. 

 Em suma, a tentativa de encontrar outras formas de arrecadação demonstra a eficiência da administração pública na busca de gerar resultados à coletividade, pretendendo o alcance de um bem maior, a manutenção estatal e garantia dos direitos sociais. 

Todavia, se os princípios constitucionais, em especial aqueles que amparam o contribuinte não forem observados, os atos se tornam apenas abuso de poder e, como resultado o Estado Democrático de Direito pode ser reduzido a normas sem eficácia, causando grande retrocesso.



Referências

 DÓRIA, Marcela Monteiro. Sanções Inconstitucionais em Direito Tributário.2008,27p.Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. 2008 Maceió. 2008. Disponível em:<https://www.ibet.com.br/wp-content/uploads/2017/07/Marcela-Monteiro-D%C3%B3ria- n%C3%A7%C3%B5es-Inconstitucionais-em-Direito-Tribut%C3%A1rio.pdf> acesso em 01. SET. 2020

          MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, São Paulo: 31° ed. Malheiros, 2010

          PAUSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, São Paulo: 8° ed. Saraiva, 2017

____ Sonegômetro Disponível em <http://www.quantocustaobrasil.com.br/>. Acesso em: 01. SET.2020


____ Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://portal.stf.jus.br//>. Acesso em: 01.SET.2020



Maby Bezerra da Silva 

Contato: mabybezerradasilva@gmail.com 

 

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