Por que a liberdade de expressão é tão rechaçada no ambiente esportivo?

 

                                                                                       


            Não é raro em competições esportivas haver punições a atletas que se manifestam politicamente no ambiente onde ocorrem as disputas . E isso acontece há muito tempo. Em 1968, os norte-americanos Tommie Smith e John Carlos foram obrigados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) a devolver suas medalhas olímpicas por terem se manifestados politicamente durante a cerimônia de premiação. 

             No pódio, os atletas levantaram o punho cerrado em referência ao símbolo dos Panteras Negras, grupo antirracista revolucionário dos EUA, que vivia um contexto de intensas lutas pelos direitos civis dos negros. Cabe lembrar que foi neste ano que Martin Luther King foi assassinado. A partir de então, o mundo inteiro tomou conhecimento das limitações quanto ao direito à liberdade de expressão em ambientes de competição esportivas. 

           No início deste ano, o COI divulgou um manual proibindo manifestações políticas nos jogos olímpicos de Tóquio, que foram adiados por conta da pandemia do Coronavirus para 2021. Apesar do adiamento das disputas, as orientações continuam valendo para quando as competições forem realizadas. Uma das regras trazidas pelo documento é a proibição de se ajoelhar no pódio em forma de protesto ou fazer gestos com os punhos levantados nas arenas, estádios ou quadras onde estejam acontecendo a competição. 

            A mesma orientação foi dada para os Jogo do Rio em 2016. Vale ressaltar que naquele ano, o Brasil estava mergulhado em uma crise econômica e política que desencadeou no processo de impedimento da então Presidenta da Republica, Dilma Rousseff. A época, o documento criado pela entidade, no artigo 50, estabelecia a seguinte regra: “Nenhum tipo de manifestação ou propaganda política, religiosa ou racial é permitido nos locais olímpicos ou em outras áreas”. 

              A medida tem por objetivo deixar o esporte neutro, sem interferências políticas ou religiosas que possam fomentar disputas fora do ambiente da competição, argumentam representantes da entidade. Mas, será que isso é o melhor a fazer? Evidente que há questões que causam polemica e melhor mesmo que estejam afastadas do mundo esportivo. Questões que envolvem pensamentos extremistas, por exemplo, devem mesmo ser banidos de qualquer discussão. 

               E quais seriam essas questões? Uma delas é a apologia ao nazismo, por exemplo. Há consenso mundial quanto aos danos causados na Alemanha, em especial para os judeus que lá viviam, pelos nazistas nos anos 30 do século passado. A prática esportiva está inserida em um contexto social e, portanto, reflete suas idiossincrasias políticas, econômicas e sociais. Assim, precisa haver uma discussão mais ampla quanto as limitações dos esportistas se expressarem politicamente nas arenas de competições. Até porque, os atletas dispõem de um importante espaço que pode ser útil para discutir questões como o racismo e a desigualdade social. 

        Vamos pegar o exemplo inédito do posicionamento dos atletas da NBA em relação aos movimentos antirracistas que eclodiram há alguns meses nos EUA. Muitos jogadores já se destacavam na luta contra o racismo no pais, como o astro Lebron James. Os jogadores ameaçaram boicotar os jogos dos playoffs da temporada 2019/2020, que estão rolando em um resort na Disney, por conta do assassinato de Jacob Black, homem negro que foi morto a tiros por um policial branco. Alguns jogos chegaram a ser adiados no dia do ocorrido. 

              Os atletas pediram mais engajamento dos donos das franquias na luta contra o racismo no pais. Eles também têm participado ativamente de uma campanha para estimular os cidadãos norte-americanos a irem votar nas próximas eleições presidenciais, que acontecem em novembro. O voto no pais é facultativo. Além disso, vários atletas se manifestam contra posturas e atitudes do atual Presidente dos EUA, Donald Trump. E o fazem, muitas vezes, em entrevistas pós jogo. 

          O movimento foi seguido por outras modalidades, como o futebol americano e o Tênis. No torneio de Cincinati, a tenista japonesa Naomi Osaka disse que não entraria em quadra por conta da morte de Blake, levando ao adiamento da partida. No US OPEN, em que foi a campeã, Osaka usou durante todo o torneio mascaras com nomes de pessoas negras vítimas de violência policial. O hexacampeão da Formula 1, o britânico Lewis Hamilton, também levou para o ambiente esportivo seu apoio aos movimentos antirracistas. 

        A FIA, entidade responsável pelas competições da Formula 1, chegou a cogitar investigar Hamilton por conta de suas manifestações antirracistas após o Grande Prêmio da Toscana, na Itália. Isso porque, o piloto trocou a camisa que costumava usar com os dizeres “BLACK LIVES MATTER”, para uma outra com palavras que cobravam respostas das autoridades quanto a morte de Breonna Taylor, morta pela polícia de Louisville, nos EUA, em marco deste ano. Segundo relatos de pessoas da região, três policias brancos entraram no apartamento de Breonna, onde houve uma troca de tiros com o namorado da moca, que acabou sendo alvejada por oito tiros. 

        A camisa do britânico dizia “ PRENDAM OS POLICIAIS QUE MATARAM BREONNA TAYLOR”. A entidade recuou da investigação. Mas, um porta voz da FIA admitiu em entrevista à BBC de Londres que não está descartada uma possível imposição de limitação as manifestações futuras na modalidade. No futebol, também existem regras que proíbem atletas de fazerem manifestações políticas nos gramados em competições oficias. A proibição está prevista no estatuto da Fifa, entidade máxima do futebol 

             Na Copa de 2018, na Russia, a entidade puniu o volante Granit Xhaka, o atacante Xherdan Shaqiri e o lateral Stephan Lichtsteiner , na vitória da Suíça sobre a Servia na fase de grupos da competição, por terem feito um sinal simbolizando a bandeira da Albânia. De acordo com a federação suíça, os jogadores desrespeitaram o artigo 57 do Código Disciplinar por “comportamento contrário aos princípios do fair play durante comemorações de gols”. Xhaka e Shaqiri receberam multas de 10 mil francos suíços (R$ 38,27 mil) cada, enquanto Lichtsteiner pagou 5 mil francos suíços (R$ 19,13 mil). Nenhum dos três foi suspenso do mundial, podendo atuar normalmente no restante da competição. 

                Em 2020, em manifestações de jogadores em apoio aos movimentos antirracistas pelo mundo, que foi impulsionado pela morte do norte americano Gorge Floyd, em maio deste ano, em Minneapolis, nos EUA, a Fifa pediu bom senso as federações de futebol por entender que tais gestos estavam de acordo com o contexto social, que exigia um posicionamento mais firme contra o racismo. Em comunicado oficial, o Presidente da entidade, Gianni Infantino, disse que as recentes manifestações dos jogadores na Bundesliga, competição alemã, em apoio ao movimento antirracista deveriam ser aplaudidas, e não punidas. 

            Aqui no Brasil, há alguns dias, os noticiários trazem uma discussão em torno da possível punição da jogadora de vôlei de praia, Carol Solberg, que se manifestou politicamente no ambiente onde eram realizadas as competições da modalidade, em Saquarema, na região do Lagos no Rio de Janeiro. Após conquistar a medalha de bronze, a atleta concedeu uma entrevista ao canal de tv a cabo SPORTV, quando, após terminar sua fala, gritou “FORA BOLSONARO”. 

            A situação levou a uma intensa discussão nas redes sociais, com pessoas contras e a favor a manifestação da jogadora. Mas, o ponto aqui não é esse. Fato é que no estatuto da Confederação Brasileira de Vôlei, CBV, há uma vedação quanto as manifestações políticas dos atletas nas arenas esportiva. Ao participar das competições, os atletas assinam um termo, no qual concordam em não se expressarem politicamente nas areis ou quadras onde ocorrem as disputas. 

        Carol foi denunciada pelo Subprocurador Wagner Dantas ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva de vôlei. Na denúncia, Dantas usa dois artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, o CBJD. São eles o 191 e o 258: 

Artigo 191 — deixar de cumprir o regulamento da competição; 

Artigo 258 — assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras do código. 

               No primeiro artigo, a pena é uma multa que varia entre R$100 a R$100 mil reais. No segundo, a punição é de suspensão de uma a seis partidas, provas ou equivalentes. Dantas pede a punição máxima para a atleta nos dois artigos elencados. A CBV se pronunciou sobre o caso. Em nota, a entidade expressou repudio a manifestação da atleta, destacando que medidas cabíveis seriam tomadas para que fatos como aquele não denegrissem a imagem do esporte e não voltassem a ser praticados. 

            Em 2018, os jogadores Wallace e Mauricio após uma vitória da seleção no Mundial de vôlei masculino, ainda em quadra, posaram para fotos fazendo o número 17 com os dedos em alusão ao então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro. Na ocasião, a CBV disse repudiar qualquer tipo de manifestação discriminatória, seja em qualquer esfera, e que não compactuava com manifestação política e defendeu a liberdade de expressão, dizendo não ser possível o controle das redes sociais pessoais dos atletas, componentes das comissões técnicas e funcionários da casa. 

        Comportamento diferente da entidade em episódios semelhantes, é verdade. Pois, nas duas situações os atletas expõem a opinião política deles no ambiente da competição, o que é proibido pelas regras estabelecidas da entidade. Diferente do que aconteceu há algumas semanas, a CBV não disse que o posicionamento do atleta pudesse “denegrir” a imagem da instituição, usando, inclusive, um termo considerado de cunho racista. Fato é que ambas situações ferem as regras estabelecidas e que foram aceitas pelos atletas quando optaram por participar das competições da modalidade organizadas pela CBV. 

        Quanto a isso, o advogado Vinicius Loureiro Morrone, em artigo para o site Lei em Campo, escreveu de maneira precisa. De acordo com ele, a liberdade de expressão não é a única dimensão da liberdade que precisa ser analisada neste caso. A mesma Constituição garante a todos os indivíduos a liberdade de associação, ou seja, a liberdade para que se uma a outras pessoas para a prática de fins lícitos. E, como em toda associação de pessoas, é possível a criação de uma normatização específica de comportamento, já que essa escolha foi realizada de maneira livre pelo próprio indivíduo. 

            Desta maneira, ao ferir as regras, com as quais concordaram por livre e espontânea vontade, os esportistas Carol Solberg, Wallace e Mauricio estão sujeitos as sanções previstas. Porém, somente Carol foi denunciada por transgredir as regras e o entendimento da entidade mudou nos últimos dois anos em relação a liberdade de expressão dos atletas da modalidade. 



REFERENCIAS 


https://www.gazetaesportiva.com/campeonatos/nba/boicote-historico-da-nba-e-outros-esportes-nos-eua-contra-o-racismo/ 


https://es.fifa.com/who-we-are/news/basta-de-racismo-basta-de-violencia 



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