Esse mês a nossa querida idealizadora deste blog Julia Eni (do canal Fala Direito Comigo) me deu a ideia desta coluna durante uma conversa no nosso grupo de whatsapp. E se eu falasse sobre alguns direitos que as pessoas não sabem, mas tem e outros que elas acham que tem, mas na verdade não.
Então, na nossa
coluna de direito do consumidor deste mês eu quero que você saiba que você:
1 – TEM DIREITO A ÁGUA
GRATUITA (“ÁGUA DA CASA”).
Assim como
tudo aqui no Rio, a lei estadual n.º 2.424 de 1995 ganhou um apelido e hoje é
carinhosamente chamada, inclusive para exercer o direito lá previsto, de “água
da casa”. Esta lei determina que bares e restaurantes do estado do Rio de
Janeiro forneçam aos seus clientes, inteiramente grátis, água filtrada.
Apesar de ser
uma lei debutante, muitas pessoas não a conhecem e deixam de exercer um direito
que é básico, não só ao consumidor, mas a qualquer ser humano, que é o livre
acesso a água potável.
Duas
considerações são importantes. A primeira é para você que não é do estado do
Rio. Essa é uma lei que só se aplica dentro dos limites territoriais fluminense,
é importante que você pesquise se na sua cidade ou estado há lei semelhante.
A segunda é
uma boa notícia para todo o Brasil. Há um projeto de lei (PL 6.199/2019),
atualmente em trâmite no Congresso Nacional, que pretende estender esta
obrigatoriedade a todos os estabelecimentos do ramo alimentício e hoteleiro do
país.
2 – TEM DIREITO A PERDER A
COMANDA E NÃO TER QUE PAGAR MULTA.
Uma prática
muito recorrente nos bares e restaurantes de todo o país é, assim que o cliente
passa pela porta, lhe é entregue uma comanda para que possa controlar todos os
gastos e pedidos que foram feitos ao longo do período que frequentou o
estabelecimento.
Esta prática
garante ao consumidor o direito a controlar precisamente, item a item, o que
foi consumido e, ainda, possibilita a individualização da conta, evitando
aqueles famosos constrangimentos e contas matemáticas elaboradas para ver
quanto cada um tem que pagar numa mesa com vários amigos.
A prática da
comanda não só é uma prática lícita, como deve ser estimulada e adotada por
todos os comércios do país. Porém, o que não se deve estimular e a perpetuação
da prática de cobrar dos clientes “em caso de perda dessa comanda será cobrado
o valor mínimo de X reais”.
Esta prática é,
de acordo com o código de defesa do consumidor (artigo 39, V), abusiva e,
portanto, ilícita e proibida. Logo, o comerciante não pode imputar ao
consumidor multa em caso de perda da comanda.
A lógica por
trás deste raciocínio é a que a comanda é um mero instrumento de controle de
consumo do próprio cliente, o estabelecimento deverá ser responsável por manter
um controle próprio e independente. Caso assim não o faça, aplica-se a teoria
do risco, ou seja, o comerciante está assumindo o risco de não saber exatamente
o que o cliente consumiu.
Porém, aqui
cabe uma observação muito importante. O fato de perder a comanda não isenta do
pagamento da conta, apenas da multa estabelecida pelo comerciante. Caso,
eventualmente, você venha a perder a sua comanda, o código civil e o CDC
preveem a obrigatoriedade de agir com boa-fé, portanto, você deverá arcar com o
valor que o estabelecimento conseguir apurar.
3 – TEM DIREITO A SE RECUSAR A
PAGAR OS 10%.
Tornou-se uma
prática tão comum bares e restaurantes cobrarem 10% a mais dos seus clientes
sobre o valor da conta, que muitos consumidores acreditam que não só é uma
prática permitida, como o cliente não pode se recusar a pagar.
Acontece que,
na verdade, os 10%, a famosa gorjeta, é uma prática de mercado que não é proibida
por lei, porém, o consumidor poderá se recusar a pagar caso assim entenda.
Uma única
observação, e aqui quero fugir do meu papel de advogado e lembrar meu primeiro
emprego numa famosa rede de restaurante com temática australiana, para dizer
que esses 10% fazem muita falta no final do mês.
Além disso,
muitos restaurantes rateiam os 10% entre os funcionários, desde o garçom até o
rapaz da faxina, passando pelos cozinheiros e balconistas. Portanto, antes de
se recusar ao pagamento, lembre-se de tantas pessoas “invisíveis” e suas
famílias que se beneficiarão com sua atitude altruísta.
4 – NÃO TEM DIREITO A TROCAR PRODUTOS
SEM DEFEITO.
Apesar de ser
uma prática recorrente no comércio, principalmente os do ramo de vestuário, o
CDC somente obriga os fornecedores de produtos a trocarem aqueles que
efetivamente apresentaram um defeito (artigo 26). Portanto, caso você receba um
presente que não tenha gostado ou não caiba em você, o lojista agirá dentro do
exercício de um direito que lhe cabe caso recuse a efetuar a troca.
Porém, aqui
cabe chamar atenção para o caso das lojas que já tenham a política de trocas de
produtos sem defeitos. Caso elas resolvam interromper esta prática, em razão do
princípio da informação (artigo 6, II e III CDC), deverão afixar em local
visível a todos a nova política da loja.
Detalhes
sobre a troca de produtos com defeito foram abordados na nossa coluna do mês
passado, para saber mais clique aqui.
5 – NÃO TEM DIREITO DE PAGAR
COM O CARTÃO DE CRÉDITO, DÉBITO OU CHEQUE SE O ESTABELECIMENTO NÃO ACEITAR.
Pode parecer até um contra senso, já que hoje é
raro você encontrar um comerciante que não aceite cartão de crédito ou débito,
porém, não existe nenhuma lei no país que os obrigue a aceitar qualquer forma
de pagamento além do tradicional dinheiro “vivo”.
O
CDC impõe ao comerciante apenas que ele não poderá se negar a vender produto ou
serviço que coloque a disposição no mercado (artigo 39, IX), porém, não impõe
regras quanto as modalidades de pagamento que poderá optar por não aceitar, assim
como cheques, cartão de crédito ou débito, parcelamentos da compra etc.
Apesar
da legislação resguardar ao comerciante o direito de recusar qualquer forma de pagamento
que não seja dinheiro em espécie, lhes impõe a obrigação de afixar em local visível
e de fácil verificação quais as modalidades de pagamento ele não aceita
receber.
6 – TEM DIREITO DE NÃO
PRECISAR FAZER UMA COMPRA MÍNIMA PARA USAR CARTÃO DE CRÉDITO.
Ainda que não
seja obrigatório, a adoção das famosas “maquininhas de cartão” pelos
estabelecimentos comerciais vem propiciando um aumento nas vendas, na medida em
que põe à disposição dos clientes alternativas para o pagamento das suas
compras.
Porém, as
operadoras dessas máquinas cobram aos estabelecimentos tarifas sobre as
transações realizadas usando o seu sistema. Isto fez com que alguns
comerciantes adotassem um preço mínimo em suas lojas para aceitar que o consumidor
use o seu cartão de crédito, visando compensar o preço cobrado pelo uso da
intermediação destas operadoras.
Acontece que
esta é uma prática considerada abusiva segundo o CDC (artigos 39 e 40), já que,
como visto anteriormente, os estabelecimentos não são obrigados a aceitar essa
modalidade de pagamento, portanto, caso resolvam adotar as “maquininhas”
deverão arcar sozinhos com os custos da operação.
7 – NÃO TEM DIREITO DE
RECLAMAR PELO VALOR DO PRODUTO SER MAIS CARO COMPRANDO NO CRÉDITO EM VEZ DE NO
DINHEIRO.
Esse aqui causava
certa controvérsia, pois alguns juristas e, até mesmo alguns tribunais, entendiam
que configurava prática abusiva cobrar um preço maior no caso de pagamento à
crédito. Por outro lado, outros juristas e tribunais entendiam que era
exercício regular do direito, ou seja, o comerciante poderia conceder descontos
para pagamentos em dinheiro (à vista) já que não incidiria ali o IOF (imposto
sobre operações financeiras) e as tarifas cobradas pelas operadoras de cartão.
A questão chegou
a parar no Superior Tribunal de Justiça que, em 2015, no julgamento do REsp 1.479.039/MG firmou entendimento no sentido de ser ilegal a prática de
diferenciação de preços nas compras realizadas com cartão de crédito, dinheiro
ou cheque.
Acontece que,
em 2016, o então presidente Michel Temer, pôs fim a controvérsia, decretando uma
medida provisória (MP 764/2016), que depois foi convertida na lei 13.455/2017, autorizando
expressamente aos comerciantes estabelecerem preços diferentes para compras em
espécie e para compras usando o cartão de crédito ou cheque.
Importante
esclarecer que a própria lei também determina que “o fornecedor deve informar,
em local e formato visíveis ao consumidor, eventuais descontos oferecidos em
função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado.”. Portanto, o
consumidor não poderá ser surpreendido na hora de pagar, devendo ser
previamente avisado que há essa diferença de preço de acordo com o meio de pagamento.
8 – TEM DIREITO A PAGAR O
MENOR PREÇO NO PRODUTO COM DOIS PREÇOS.
É muito comum
irmos ao mercado ou, às vezes, até mesmo a uma loja de departamentos e nos
depararmos com um produto com dois preços, sendo um indicado na gôndola e outro
afixado diretamente na embalagem, porém, com diferença entre eles.
O CDC garante
ao consumidor (artigo 6, III e 30) o direito de levar o produto pelo menor
preço informado. Pois, incumbe ao comerciante a informação precisa sobre o
preço e, também, qualquer informação suficientemente clara integra o contrato (compra
e venda), ou seja, se há dois preços é porque o consumidor pode optar entre
eles.
Aqui cabem
duas observações. A primeira é que se não houver nenhum preço afixado no produto
ou, ainda, não informado na gôndola você não tem o direito de levar o produto
de graça. Isto pois, a boa-fé, impõe a presunção de que se há algo posto a
venda, logo tem um preço e, portanto, não se pode presumir que o comerciante
está distribuindo gratuitamente aquele produto.
Já a segunda
é um conselho de advogado, ao constatar a diferença de preço, imediatamente,
antes de comparecer ao caixa tire uma foto das duas informações, caso o
comerciante se negue a lhe vender pelo menor preço e você decida, mesmo assim,
comprar, você terá o direito ao ressarcimento da diferença entre eles.
9 – TEM DIREITO A RECEBER O
DOBRO DO QUE PAGOU INDEVIDAMENTE.
Aproveitando
o gancho do conselho acima, aquele valor que você pagou a mais para levar um
produto com dois preços, o CDC prevê que a diferença entre o maior e menor valor,
não só deverá lhe ser devolvida pelo comerciante como, ainda, devem ser
devolvida em dobro.
O CDC prevê
(artigo 42, § Único) a imposição àqueles que cobraram valores indevidos aos
consumidores lhes ressarçam em dobro, ou seja, o valor igual ao que pagou em
excesso duas vezes, no caso de produtos com preços diferentes, o valor da
diferença vezes dois.
Isto se aplica
a qualquer cobrança indevida como, por exemplo, quando o cartão de crédito lhe
faz uma cobrança de uma compra que você desconhece ou, ainda, quando você
recebe na sua casa uma fatura de consumo (água, luz, telefone, gás) muito acima
do habitual e, por medo de interrupção no fornecimento, você resolve quitar o
débito.
10 – NÃO TEM DIREITO A COMPRAR
UM PRODUTO COM VALOR INFORMADO MUITO ABAIXO DO PRATICADO PELO MERCADO.
Há
algumas colunas eu falei sobre os artigos 30 e 35 do CDC, artigos que garantem
ao consumidor que qualquer informação suficientemente clara integrará o
contrato de consumo e, portanto, deverá ser integralmente cumprida pelo comerciante.
Lembrei
do famoso caso do “Quer pagar quanto?” das Casas Bahia, que os obrigaram a
vender produtos muito abaixo do preço do mercado. Porém, o que eu não mencionei
naquela época é que existe um certo limite para que se obrigue o fornecedor de
produto ou serviço a cumprir o que for divulgado.
Conforme
dito anteriormente, a boa-fé é indispensável em qualquer relação da vida
cotidiana. Acontece que, às vezes, por exemplo, por um erro de digitação ou por
qualquer outro, um produto que normalmente custa R$5.000,00 em um site ou loja
física, nunca ficando muito abaixo deste valor, passa a custar R$500,00, R$50,00
ou até mesmo R$5,00.
O
consumidor, nestes casos, tem o dever de agir com boa-fé e perceber que é
claramente um erro no anúncio, não podendo, portanto, se aproveitar da inocente
falha do comerciante, para adquirir um produto com valor muito abaixo do habitualmente
praticado pelo mercado.
Há
casos em que um produto é posto à venda no site da loja por preço muito abaixo
do normal, e o comerciante rapidamente identifica o erro e retifica o preço cancelando
e estornando a compra. Nestes casos o consumidor não poderá exigir administrativa
ou judicialmente, com base nos já citados artigos 30 e 35 do CDC, que o
comerciante efetue a venda pelo preço erroneamente informado.
11 – TEM DIREITO A COMANDA
INDIVIDUAL EM VEZ DE UMA CONTA PARA A MESA TODA.
Por último,
quero destacar a legislação que gerou a ideia para esta coluna que é a lei que
nossa querida amiga Julia Eni (do canal Fala Direito Comigo), a lei municipal 6.237/2017
que obriga os estabelecimentos comerciais como bares e restaurantes a fornecer,
à pedido do cliente, comandas individuais.
Essa lei,
assim como a primeira, é regional, desta vez se aplicando somente na cidade do
Rio de Janeiro, portanto, se você é carioca, ou está visitando a cidade
maravilhosa, fique atento, pois você poderá nunca mais precisar passar por
aquela confusão de quem paga o que na hora de fechar a conta e o último a sair
ter que pagar os 10% de todo mundo que esqueceu de incluir nos seus cálculos.
Não se
esqueça, o CDC não irá lhe ajudar se você não souber que ele existe e não
conhecer os seus direitos previstos lá. Então, fique conosco para sempre se
manter atualizado e por dentro daquilo que você pode, deve ou não pode na hora
de consumir.
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amigos. Sinta-se à vontade para deixar nos comentários suas críticas e opiniões
para que possamos sempre melhorar. Também aceito sugestões de próximos temas
sobre direito do consumidor.
Daniel Leal
Contato: danieldcl.adv@gmail.com
Referências:
Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
Muito bom e esclarecedor.
ResponderExcluirAgradecemos a sua participação na nossa seção de comentários. Fique a vontade para continuar descobrindo nossas colunas.
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