Esse mês na nossa coluna não poderia falar de outro assunto, afinal, está em alta desde a sua aprovação no Congresso Nacional e, oportunamente, ontem (dia 29/09/2020) o Presidente da República sancionou o Projeto de Lei 1.095/2019, conhecido como Lei Sansão (homenageado aqui através da sua foto acima), que alterou a lei de crimes ambientais (Lei 9.605/98) e aumentou as penas previstas para o crime de maus-tratos animais.
Essa será uma
coluna diferente em duas partes: nessa primeira vou abordar como era visto pelo
ordenamento jurídico os crimes de maus-tratos e como eles serão tratados a
partir de agora com a sanção da nova lei. Já na segunda, no próximo mês, irei abordar o
que se entende por maus-tratos aos animais, já que é um conceito subjetivo que
deverá ser analisado caso a caso.
Para inaugurar
a distinção de como era e como ficou, por fins didáticos, precisaremos abordar
alguns aspectos do direito penal e seus institutos para, posteriormente, podermos
precisamente assimilar a importância inquestionável e o avanço na causa animal ocasionado
por esta lei.
A primeira ideia
que se precisa ter sobre os crimes no Brasil é que eles têm valorações
diferentes, ou seja, alguns crimes são tidos por mais graves e outros menos
graves. Essa não é uma característica expressamente descrita nas leis penais,
mas sim é extraída do tratamento que determinado crime tem ao ser julgado perante
um juiz ou tribunal.
Para entender
essa ideia basta que se recorra, por exemplo, a lei de crimes hediondos (Lei 8.072/90),
lá há um rol de crimes que são tratados pela legislação penal com penas, e seus
consequentes regimes de cumprimento, mais severas. O estupro, por exemplo, é um
crime hediondo, ao passo que o furto não o é.
Quando o autor
pratica um furto, por exemplo, o Estado lhe garante um tratamento menos severo
isto, pois, se entende que furtar alguém é muito menos grave do que estuprar
alguém e, portanto, a pessoa poderá cumprir pena em regime aberto ou, ainda, a
depender do caso, poderá sequer ser penalizado.
São duas as
características de um tipo penal que nos ajudam a concluir se aquele crime é
visto pelo Estado de forma mais severa ou de forma mais branda. A primeira
delas é percebida pelo uso da palavra detenção ou reclusão ao definir a pena,
já a segunda trata-se de um critério quantitativo ao estabelecer o tempo da pena
mínima e da pena máxima.
Um crime é
tido por mais gravoso quando a lei se utiliza da expressão reclusão isto, pois,
o artigo 33 do código penal brasileiro, determina que os crimes que preveem essa
espécie penal poderão ser cumpridos em regime fechado, semiaberto ou aberto, já
os crimes de detenção serão cumpridos em regime semiaberto ou aberto.
Uma breve
explicação, o regime fechado é, pelo código penal (artigo 33, §1º a) aquele que
será cumprido em estabelecimentos (presídios, cadeias) de segurança média ou máxima.
Já o regime semiaberto (artigo 33, §1º b) se dará em colônias agrícolas, industriais
ou algum estabelecimento similar e, por fim, o regime aberto (artigo 33, §1º c)
será cumprido em casas de albergado ou algum lugar que a esse corresponda.
Aqui já
podemos começar a perceber a distinção entre como era e como ficou. Importante
esclarecer que a chamada Lei Sansão alterou o artigo 32 da lei de crimes
ambientais, onde constava a seguinte redação:
Art. 32. Praticar ato
de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou
domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de
três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas
mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda
que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é
aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal
A partir de
agora, com a sanção do Presidente da República, a lei entrará em vigor no dia
da sua publicação, que deverá ocorrer nos próximos dias, e passará ser
acrescida do seguinte:
§ 1º-A Quando se
tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo
será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.
Portanto,
foi incluído este novo parágrafo que determina que, nos casos de crimes de maus-tratos
cometidos contra cães e gatos, a pena não será mais de detenção e sim de
reclusão, ou seja, antes não era possível que aquele que cometesse tal crime
fosse condenado ao regime fechado, agora poderá, dependendo da pena do caso concreto,
cumprir a pena em uma prisão ou cadeia de segurança média ou máxima.
Outra
mudança importante na nova redação do artigo trinta e dois, é a alteração da
pena mínima de 3 meses para 2 anos e a pena máxima de 1 ano para 5 anos, isto
porque, como já dito, a valoração da gravidade do crime pode ser medida através
do tempo da pena que lhe é atribuído.
Além
disso, antes da aprovação da lei, ninguém seria condenado a pena superior a 1
ano de detenção e há uma consequência em relação ao cumprimento da condenação
imposta. O código penal prevê, em seu artigo 77 o instituto conhecido como
SURSIS, ou seja, a suspensão condicional da pena, que poderia ser aplicado a
todo e qualquer caso de maus-tratos animais, independente da violência com que
fosse cometida.
Como a
minha área não é o direito penal, o que você passará a ler é uma generalização
do instituto da SURSIS, ou seja, um breve resumo com finalidade de demonstrar a
importância do aumento de pena para os crimes de maus tratos, não há uma
finalidade de esgotar o assunto.
A SURSIS é um “benefício” concedido
àqueles que foram julgados e condenados a prazo não superior a dois anos, que
permite que a pena de prisão não seja aplicada por um determinado lapso
temporal, ou seja, o condenado não será de fato levado à cadeia. É a Sursis que
ficou, popularmente conhecida, pela expressão “vai pagar cesta básica”.
A SURSIS
permite que o condenado tenha a pena suspensa e que ele cumpra no lugar determinações
que o juiz ordenar baseado no caso concreto como, por exemplo, limitações de
final de semana, não frequentar determinados lugares, prestação de serviços à
comunidade, entre outros.
Acontece
que, com a pena máxima para o crime de maus-tratos fixada em 1 ano, como era
anteriormente, o instituto da SURSIS tinha aplicação quase que automática a qualquer
caso de maus-tratos, independente da gravidade e violência com a qual foi
praticado.
A lei
levou o nome de Lei Sansão, pois em 2020
um caso emblemático abalou a comunidade, quando um agressor mutilou um cão da
raça pitbull lhe arrancando as duas patas traseiras com uma foice, aparentemente
pelo animal ter pulado o muro e entrado em confronto com o seu cachorro.
Como o crime aconteceu antes da aprovação
da lei, o autor será julgado com a redação anterior e, se condenado, será ao prazo
máximo de 1 ano em regime semiaberto, porém, poderá requerer o direito a Sursis
e somente cumprir serviços comunitários.
Com a majoração das penas mínima e
máxima e, ainda, com a alteração da redação de detenção para reclusão, caso o
crime tivesse sido cometido após a aprovação da lei, possivelmente, aliás,
legalmente, haveria a possibilidade do autor do crime ser condenado à pena
máxima de 5 anos e não ter direito ao benefício da SURSIS.
Apesar de tudo o que foi dito acima
representar um importante avanço na seriedade de tratamento que será dispensado
aos casos de maus-tratos daqui para frente, há uma severa crítica que deve ser
feita.
Acontece que, infelizmente, por conta de
articulações políticas do próprio Congresso Nacional, o que foi aprovado, e
ontem sancionado pelo Presidente da República, não foi a redação original do
projeto de lei, tendo ocorrido drásticas alterações na redação final que irá entrar
em vigor nos próximos dias.
A redação original do PL 1.095/2019 não
fazia a distinção entre espécies de animais e, ainda, previa penas para os
estabelecimentos comerciais (petshops, canis, gatis etc.) ou rurais (fazendas,
sítios, xácaras etc.) dentro dos quais ocorressem os crimes de maus-tratos.
A redação final aprovada estabeleceu
distinção no tratamento dado aos crimes cometidos contra cães e gatos e os
cometidos contra as demais espécies animais. Tudo o que foi analisado até aqui
somente será aplicado aos cães e gatos, para as demais espécies continua se
aplicando a regra antiga.
A possibilidade de penalizar os
estabelecimentos comerciais ou rurais, que na redação original poderiam sofrer sanções
como, por exemplo, multa, interdição, suspensão ou cancelamento da licença, perda
dos incentivos fiscais federais, foi retirada completamente na redação final
aprovada.
É indiscutível que esta lei deu um
importante passo na legislação brasileira de proteção aos animais. Além disso é
uma demonstração de que o Estado brasileiro está cada dia mais condenando e reprovando
a prática de maus-tratos animais e, sem dúvida, é um alerta àqueles que pensam
que poderão sair impunes.
Apesar do avanço, a causa animal ainda
tem muito caminho a percorrer, a luta ainda não acabou e sequer está na metade,
ainda há muito o que fazer, devemos continuar de olho e cobrando avanços
legislativos importantes, como é o caso da aprovação do PL 6.054/2019 que irá
retirar dos animais a natureza jurídica de coisa (leia sobre na nossa coluna
clicando aqui), para dar voz aqueles que só se expressam com gestos de amor.
Se gostou do texto, compartilhe com os amigos. Sinta-se à vontade para deixar nos comentários suas críticas e opiniões para que possamos sempre melhorar. Também aceito sugestões de próximos temas sobre o mundo jurídico animal. Mês que vem eu volto com mais sobre o direito animal.
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Daniel
Leal
Contato: danieldcl.adv@gmail.com
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