FIQUE POR DENTRO DOS SEUS DIREITOS: A TAL INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

 


Esse mês, na nossa coluna, quero aproveitar um caso real que apareceu no meu escritório para tratar com vocês sobre um assunto importante e que, às vezes, por ser contra intuitivo, não é conhecido pelas pessoas que não atuam na área de direito do consumidor.

Traçarei breve relato sobre o caso, que servirá de contextualização para todo texto. Um senhor, que por razões óbvias irei ocultar o nome, procurou a minha sócia e eu, relatando que um determinado banco inscreveu seu nome no cadastro negativo de crédito (SPC e SERASA) por consequência de um empréstimo que não foi pago. Acontece que nosso cliente afirma que nunca realizou com este banco qualquer empréstimo ou contratação financeira.

Movido por um sentimento legitimo de frustração, afinal, é uma mácula a honra um apontamento negativo sobre a capacidade financeira de qualquer indivíduo, que ele nos procurou como advogados, porém, também legitimamente desconhecendo a legislação consumerista, nos indicou que não havia como provar que não fez os empréstimos.

Portanto, aproveitando esse gancho dado pelo nosso cliente, que eu quero trazer aqui o instituto da inversão do ônus da prova. Instituto previsto pelo direito consumidor e que é, na minha opinião, um dos mais importantes quando se torna necessário o ajuizamento de ação para a composição das lides consumeristas pelo poder judiciário.

Para falar da inversão do ônus da prova, primeiro precisamos ter em mente o que vem a ser ônus da prova. Este instituto é tão conhecido que, inclusive, a sociedade brasileira tem um jargão próprio que contém a mesma ideia representada no artigo 373, I do código de processo civil, que é o famoso: “quem acusa é que tem que provar”.

Sim, essa é a regra máxima dentro do nosso sistema jurídico, consectária do famoso princípio “in dubio pro reu” (na dúvida, favoreça o réu), ou seja, você é inocente até que se provem o contrário, portanto, não é o acusado que deverá provar sua inocência, mas o acusador que deverá provar a culpa.

É clara a referência ao direito penal, pois é um princípio que nasceu pensado nas acusações criminais, pois, em tempos passados mais sombrios, em muitos países, inclusive no Brasil, era a inocência e não a culpa que deveria ser provada.

Porém, é claro, pode-se imaginar as inúmeras injustiças, além dos vários inocentes que foram penalizados, pois não conseguiram provar que não fizeram o crime que lhes foi imputado, quantas ainda seriam causadas se assim continuasse até hoje.

Acontece que, não se limitou a ideia de “in dubio pro reu” somente ao direito penal, com o passar dos anos foi-se percebendo a necessidade, em prol do desenvolvimento social e promoção da justiça, de estender horizontalmente este princípio a todos os demais ramos do direito. No Brasil, tal princípio tem aplicação em todos os segmentos jurídicos.

Por isso que se diz com tanta convicção que aquele que acusa é que deve provar a verdade do que está acusando. Daí que o direito processual trouxe, expressamente, a obrigatoriedade de comprovar o que alega com a redação do já citado artigo 373, I do código de processo civil que dita que incumbe ao autor o ônus do fato constitutivo de seu direito.

Em outras palavras, incumbe aquele que alega o ônus, ou seja, o trabalho, a responsabilidade de comprovar que todas as alegações (acusações) feitas a um juiz são verdadeiras e, para isso, poderá dispor de vários meios de prova (testemunhas, documentos, vídeos, áudios, gravações, etc.) para tanto.

Essa regra é um pilar do nosso estado democrático de direito, eu reputo ser um dos princípios mais fundamentais para a manutenção da pacificação social em uma civilização. No Brasil ele tem aplicação geral e indisponível, porém, quando o assunto é Código de Defesa do Consumidor (CDC), ele sofre algumas adaptações.

O CDC, como eu já pude abordar nesta coluna (clique aqui), reconhece que numa relação de consumo existe nítida desigualdade entre quem consome e quem fornece o produto ou serviço. Isso se deve, em grande parte, por consequência da hipossuficiência que aquele tem perante este do ponto de vista financeiro, técnico (conhecimento do produto ou serviço) e, inclusive, de infraestrutura.

Para tentar equilibrar o jogo o CDC previu aos consumidores ao longo dos seus artigos, vários direitos fundamentais que visam, justamente, a tentativa de igualar as partes que compõe uma relação de consumo. Dentre esses direitos o nosso tema, a inversão do ônus da prova, emerge, estando prevista no artigo 6º, inciso VIII do CDC.

A inversão do ônus da prova reforça a ideia de proteção ao consumidor, tentando reestabelecer o equilíbrio na relação de consumo quando impõe, observado a verossimilhança das alegações (potencial de ser verdadeiro) e acreditando ser plausível as alegações do consumidor, ao fornecedor de produtos ou serviços o ônus de provar sua inocência.

É importante apontar que, apesar da inversão do ônus da prova, o consumidor não fica desobrigado de comprovar o mínimo do que está alegando, do contrário, bastaria que você ingressasse com uma ação contra instituição financeira todo mês, alegando que seu nome está negativado, que você seria indenizado e, provavelmente, faria disso uma profissão.

Como exemplo nos servirá o caso concreto que deu início a essa coluna. É óbvio que nosso cliente está acusando o banco de ter negativado o seu nome indevidamente, portanto, ele deverá minimamente comprovar que de fato está negativado, seja através do extrato retirado do site Serasa ou do Boa Vista Consumidor Positivo.

Acontece que ele alega que o banco o negativou por contratos de empréstimo que jamais realizou, portanto, a legislação brasileira consumerista entende que é uma prova diabólica, ou seja, é impossível comprovar um fato do mundo que nunca ocorreu. Afinal, como se prova que um contrato não existe, se ele nunca existiu.

Por esse motivo reputo tanta importância a inversão do ônus da prova, porque basta que nosso cliente alegue que foi negativado indevidamente, fazendo prova da negativação, que o juiz, a luz do que determina o artigo 14, §3º, incisos I e II, determinará que o banco demonstre que a negativação decorreu de um contrato de empréstimo inadimplido, fazendo prova suficiente dessa contratação através do contrato em si ou outros meios de prova.

Para reforçar a ideia da importância da inversão do ônus da prova, até porque acredito que o exemplo do nosso cliente seja um pouco óbvio e acabe não sendo tão contraintuitivo como aleguei no começo dessa coluna, quero fazer o uso de mais um exemplo.

 Vamos tomar por base, então, a seguinte situação, serviços de internet e telefonia que algumas vezes ao dia, durante vários dias deixa de funcionar por longos períodos.

Neste caso, a inversão do ônus da prova poderá ser aplicada, isto pois se reconhece que existe uma hipossuficiência técnica, ou seja, a pessoa que contrata os serviços de internet tem um ínfimo número de possibilidades de demonstrar a ineficiência do serviço.

Ora, o consumidor pode até tirar um print demonstrando que o símbolo do wi-fi no celular está desativado, mas o que isso prova? Afinal, poderia ser somente um problema do próprio telefone, ou do consumidor que desligou sem querer o serviço no aparelho.

Em situação diametralmente oposta está a empresa de telefonia ou internet que, em virtude do próprio serviço que presta, ante todo o aparato tecnológico suficiente e necessário para tal, tem a possibilidade de demonstrar, através de relatórios técnicos, análise de dados, mapeamento das redes de comunicação, gráficos do tráfego de dados enviados ao consumidor, que não só prestou o serviço como, ainda, este foi prestado de forma eficiente.

Talvez esse exemplo tenha atingido o objetivo que pretendi desde o inicio desta coluna, primeiro de esclarecer o que é a inversão do ônus da prova, segundo de demonstrar qual a sua importância dentro das relações de consumo que são levadas ao poder judiciário e, por fim, orientar o nosso leitor a ficar atento a este direito da próxima vez que lhe passar pela cabeça que não tem como provar o que está alegando e, por isso, sequer busca um advogado para obter orientação.

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Não se esqueça, o CDC não irá lhe ajudar se você não souber que ele existe e não conhecer os seus direitos previstos lá. Então, fique conosco para sempre se manter atualizado e por dentro daquilo que você pode, deve ou não pode na hora de consumir.

Se gostou do texto, compartilhe com os amigos. Sinta-se à vontade para deixar nos comentários suas críticas e opiniões para que possamos sempre melhorar. Também aceito sugestões de próximos temas sobre direito do consumidor.

 

Daniel Leal

Contato: danieldcl.adv@gmail.com

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